quarta-feira, 27 de março de 2013

LUZ DE ALPENDRE

À sombra da Poesia
         
          Que dizer de um poeta quando é Poeta Maior?
Já conhecia o Alfredo Rossetti de Colheita dos Ventos, livro que me deixou desconfiado do que agora, com este Luz de Alpendre já não deixa dúvida alguma: trata-se de poesia para estar entre as melhores que se praticam no Brasil.
Grande parte de sua produção poética é vazada em versos curtos heterométricos e estrofação irregular, como é a poesia de nossos tempos. Da tradição poética, o que o Alfredo ainda retém, como uma espécie de memória, um de seus temas recorrentes, são as rimas, muito mais como recurso sonoro, como eco natural, do que o esquema rígido que muitas vezes força o poeta a desviar-se do sentido pretendido. A rima do Alfredo acontece naturalmente, quando o próprio verso a pede. Ela é inteiramente ocasional.

Seus versos mantêm a tensão rítmica que os diferenciam da prosa pela justeza e seleção das palavras, que se atraem, se aglutinam, que formam uma unidade indissolúvel. Seu vocabulário é rico, com verdadeiros achados como no final da estrofe abaixo:
E nós, pobres criaturas lentas
(porque o somos no amor)
nos socorreremos atrás,
feito bote sem poita.
 Rico sim, o vocabulário, na variedade e propriedade de seu uso, contudo extremamente econômico.
Ainda sobre a sonoridade de sua poesia, é um belo exemplo de aliteração o poema que segue:
MOMENTOS VAGOS
Às vezes,
vesgo,
dou vezo
a um verso
indistinto do que haveria ser.
E sai assim:
inverso,
calmo e indigesto.
De soluço que verga ao vil minuto.
Que nem acabara de nascer
já pende ao não ser visto.
Verso mesmo de guardar
na japona do tempo,
revezada,
onde as coisas que se veste
são como versos de às vezes.
  Jogos de luz e sombra, a constante plasticidade dando muitas vezes corpo a questões metafísicas, eis uma poesia que encanta por seu intenso lirismo, mas que perturba por tudo aquilo que levanta da condição humana. Ainda sobre o lirismo de sua poesia, deve-se destacar que o Alfredo não geme ou chora, ao falar de si mesmo (na infância, a que recorre muitas vezes; na atualidade, em sua condição de poeta). Seu lirismo é do tipo que se pode chamar de eriçado, cheio de ironia sobre si mesmo e sobre o mundo que o cerca.
Entre a diversidade de temas de que se compõe este livro, como o tempo, a memória, a infância, o non sense de que muitas vezes se tece a vida, pode-se incluir a própria poesia, ou metalinguagem, como preferem os acadêmicos. Um bom exemplo está no poema em prosa abaixo:
ANGÚSTIA QUE VIVIFICA
Ao Sr. Lara
- Basta estar feliz (ou supostamente) para que as palavras fujam de mim. A poesia vem do que me amura. Da falta de sintonia com a vida à margem do caos e com o que restou como traços que se perdeu num dia que, acreditem, era de sol.
O alpendre já está iluminado. Entre, por favor, e sente. A poesia vai começar.


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