Continuamos com o desenvolvimento do assunto proposto pelo professor Vítor Manuel.
Pág. 112 - "2.12. Sistema literário e metalinguagem literária
A organização do sistema literário, a natureza e o funcionamento dos seus códigos têm sido objecto, ao longo da história, de uma conceptualização que representa uma metalinguagem literária e que se consubstancia nos metatextos da literatura, isto é, aqueles textos nos quais, com objectivos analítico-explicativos e/ou normativos, se mencionam, formulam, caracterizam ou justificam as convenções, as regras, os mecanismos semióticos que subjazem aos processos de produção, estruturação e recepção dos textos literários.
Esta metalinguagem literária, imediatamente vinculada à prática literária de um determinado período histórico por uma função de interdependência, deve ser considerada como factor integrante do sistema semiótico literário - nesta perspectiva, impõe-se reconhecer 'que o que denominamos literatura/poesia é uma prática mais a sua metalinguagem' -, distinguindo-a da teoria da literatura, pois que não obedece às exigências epistemológicas, heurísticas e metodológicas que caracterizam uma teoria científica.
A metalinguagem literária manifesta-se necessariamente sob a forma de uma poética explícita, aparecendo formulada sobretudo em textos que apresentam como finalidade exclusiva ou dominante a defesa ou a condenação, a descrição e a análise com carácter mais ou menos marcadamente normativo, das convenções e regras que configuram os códigos literários: artes poéticas, tratados de poética e de retórica, programas e manifestos de escolas e movimentos literários, prefácios, epígrafes, etc. A metalinguagem literária pode manifestar-se também sob a forma de fragmentos de poética explícita insertos na estrutura de textos literários - romances, poemas épicos, églogas, epístolas, etc. -, quer atribuídos imediata e directamente à responsabilidade do autor/emissor, quer endossados por este à responsabilidade de personagens que nesses textos figuram (recorde-se, a título exemplificativo, a discussão sobre o realismo e o naturalismo, que, no capítulo VI d'Os Maias de Eça de Queirós, se desenvolve entre algumas das personagens do romance).
Em nosso entender, admitir, como propõe Walter D. Mignolo, a existência de uma 'metalinguagem literária implícita' equivale a cair no erro de uma contradictio in terminis, pois o conceito de 'metalinguagem' implica o conceito de 'explicitude'. A 'consciência literária' de um autor, de um grupo de escritores, etc., é que pode manifestar-se sob a forma de uma poética explícita ou sob a forma de uma poética implícita, isto é, de uma poética não explicitamente teorizada, mas defluente da própria realização dos textos literários. A reconstituição dos códigos literários actuantes num dado período histórico e numa determinada comunidade sociocultural exige o conhecimento tanto da 'poética explícita' como da 'poética implícita' e a análise das modalidades de relação verificáveis entre ambas."
(CONTINUA)
Pág. 112 - "2.12. Sistema literário e metalinguagem literária
A organização do sistema literário, a natureza e o funcionamento dos seus códigos têm sido objecto, ao longo da história, de uma conceptualização que representa uma metalinguagem literária e que se consubstancia nos metatextos da literatura, isto é, aqueles textos nos quais, com objectivos analítico-explicativos e/ou normativos, se mencionam, formulam, caracterizam ou justificam as convenções, as regras, os mecanismos semióticos que subjazem aos processos de produção, estruturação e recepção dos textos literários.
Esta metalinguagem literária, imediatamente vinculada à prática literária de um determinado período histórico por uma função de interdependência, deve ser considerada como factor integrante do sistema semiótico literário - nesta perspectiva, impõe-se reconhecer 'que o que denominamos literatura/poesia é uma prática mais a sua metalinguagem' -, distinguindo-a da teoria da literatura, pois que não obedece às exigências epistemológicas, heurísticas e metodológicas que caracterizam uma teoria científica.
A metalinguagem literária manifesta-se necessariamente sob a forma de uma poética explícita, aparecendo formulada sobretudo em textos que apresentam como finalidade exclusiva ou dominante a defesa ou a condenação, a descrição e a análise com carácter mais ou menos marcadamente normativo, das convenções e regras que configuram os códigos literários: artes poéticas, tratados de poética e de retórica, programas e manifestos de escolas e movimentos literários, prefácios, epígrafes, etc. A metalinguagem literária pode manifestar-se também sob a forma de fragmentos de poética explícita insertos na estrutura de textos literários - romances, poemas épicos, églogas, epístolas, etc. -, quer atribuídos imediata e directamente à responsabilidade do autor/emissor, quer endossados por este à responsabilidade de personagens que nesses textos figuram (recorde-se, a título exemplificativo, a discussão sobre o realismo e o naturalismo, que, no capítulo VI d'Os Maias de Eça de Queirós, se desenvolve entre algumas das personagens do romance).
Em nosso entender, admitir, como propõe Walter D. Mignolo, a existência de uma 'metalinguagem literária implícita' equivale a cair no erro de uma contradictio in terminis, pois o conceito de 'metalinguagem' implica o conceito de 'explicitude'. A 'consciência literária' de um autor, de um grupo de escritores, etc., é que pode manifestar-se sob a forma de uma poética explícita ou sob a forma de uma poética implícita, isto é, de uma poética não explicitamente teorizada, mas defluente da própria realização dos textos literários. A reconstituição dos códigos literários actuantes num dado período histórico e numa determinada comunidade sociocultural exige o conhecimento tanto da 'poética explícita' como da 'poética implícita' e a análise das modalidades de relação verificáveis entre ambas."
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