Fragmento do livro "Que enchente me carrega", de Menalton Braff.
"Volto pra mim, meu corpo macerado, as mãos cuja
semelhança muitas vezes me assombra, os calos e cortes, e percebo que de nada
adiantou suportar vendavais, porque os galhos secos e retorcidos deixaram há
muito de florir na primavera. E se permanece de pé, o tronco nodoso, é que as
raízes secas ainda não apodreceram.
Passo a mão pela testa − dedos ásperos, ferramentas −
desmancho as rugas e afasto os pensamentos de autocomiseração. Nem tudo acabou.
Daqui a pouco chega dona Rosário me oferecendo os pés: Ficou divino, Firmino, o
mais belo que já calcei. De joelhos em sua frente, vou novamente fruir de seu
perfume, me enredar em sua voz. É isto, viver?
Não sei quanto tempo estive aqui parado, à espera, à
espreita espiando, mas agora é ela, sim, a manhã que chega, finalmente. Esta
claridade macia desenhando as frinchas da veneziana, passarinhos roucos
limpando a garganta, a voz dura do verdureiro exercendo autoridade sobre seu
pobre rocinante. É ela, sem dúvida. Já posso deixar a cama."
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