quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

QUESTÕES DE ESTÉTICA DA LITERATURA (130)

A introdução ao romance As afinidades eletivas, de Goethe, R. J. Hollingdale afirma que o primeiro texto de Goethe com este título foi um conto, mais tarde desenvolvido tendo como resultado o conhecido romance do escritor alemão.
Ao discutir o fato, o autor da introdução dá uma aula de gêneros literários cujo conteúdo vale a pena transcrever, apesar de longo, pois inicia na página 11 para terminar na 13, da 1ª ed, da Penguin:

"Chamei a forma original de As afinidades eletivas de conto: em alemão, a obra é classificada como Novelle (novela), termo para o qual não existe equivalente exato em inglês. trata-se de uma narrativa ficcional mais longa do que um conto (Erzählung, em  alemão), mas menor do que um romance (Roman), porém em geral muito curta para ser chamada de romance curto. Mas a novela clássica alemã possui outras características distintivas, além de seu comprimento, que fazem dela uma espécie diferente de narrativa. Essas características são: economia rigorosa, evitando deliberadamente a amplitude e o ritmo descontraído do romance;
ênfase na trama, de tal modo que os personagens da história são funções dela; em consequência, eles recebem apenas prenomes, títulos ou o nome de suas profissões, ou um sobrenome irônico, mas não nomes realistas; o meio ambiente não é realista, o cenário possui outra função além de ser cenário da ação; a própria ação não é realista, ela avança de uma forma mais ordenada do que a vida cotidiana ou a vida cotidiana em um romance, há uma simetria de ação estranha à realidade e, com frequência, a conclusão é prefigurada, de modo que há um sentido de inevitabilidade nela; por fim, há sempre um narrador explícito ou implícito, supõe-se que a história seja algo que ele viveu ou ouviu falar, e não uma coisa que inventou, sua função é reproduzir um evento real como uma obra de arte consciente, de tal modo que exiba um grau mais elevado de talento artístico e artificialidade do que se encontra normalmente em um romance. Essas 'regras' não foram obviamente criadas com antecedência, mas extraídas da prática dos escritores alemães. No final do século XVIII, no entanto, a literatura alemã já tinha muita consciência de si mesma e as novelas eram deliberadamente estruturadas para concordar com as 'regras', o objetivo sendo, como acontece com todo 'formalismo', impor forma e ordem ao fluxo da experiência. O resultado era um tipo de narrativa ficcional tão imediatamente identificável quanto uma fuga rigorosa ou uma ária de ópera italiana: embora o leitor ou ouvinte (pois a Novelle tinha claramente origem numa história falada) não saiba de antemão os detalhes do que está por acontecer, ele sabe que tipo de experiência artística pode esperar. A novela alemã mais conhecida talvez seja aquela que Goethe chamou simplesmente de Novelle, destinada, como seu título (ou melhor, sua falta de título) indica, a ser um modelo da forma. As afinidades eletivas contém uma novela inserida, 'Os jovens vizinhos singulares', que exibe as características da forma em pequena escala, e o leitor notará a atmosfera típica de uma Novelle: ausência de nomes, economia rigorosa de meios, ação não realista e assim por diante, e também o fato de que a história narrada diz respeito a um evento de que o narrador ouvir falar e não inventou, e que tem implicações que ele desconhece."

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