
“Louco para ser normal”
Vanessa Maranha
De tempos em tempos, os padrões comportamentais e culturais
se alteram, não raro, radicalmente, em inversão mesmo, e, o que era uso ou
tabu, no salto de uma ou duas gerações, torna-se o seu oposto.
Exemplifiquemos isto num enquadre histórico recente: se na
década de 50 o sexo recreativo antes/fora do casamento era socialmente
condenável, os anos subseqüentes assistiram à “tirania do genital” (Bruckner e
Finkielkraut), isto é, a redução da sexualidade e do erotismo ao equipamento
sexual masculino e feminino. Primeiro aquilo que foi se desvelando como a
ditadura do sexo livre e descompromissado, depois, a do imperativo do orgasmo,
sobrando então, como antes, pouco espaço para a subjetividade.
O mesmo se deu em
relação aos parâmetros de loucura e sanidade. Vem dos movimentos de
contracultura da década de 60, bem como de libelos artísticos muito anteriores
(surrealismo, dadaísmo, byronismo, beatnik etc.) a idéia de que legal é ser
excêntrico, livrar-se das amarras do estabelecido e enlouquecer; loucura aqui
equivalente a liberdade. Para algumas linhas de pensamento (e de mercado!)
cultivadas até hoje, ser louco é o que há. Sanidade é caretice. Temos que ser
loucos para violar o tabu ou a loucura é a punição por nossa coragem de
fazê-lo?
De qualquer forma, é difícil definir as características que
fazem alguém ser classificado como são ou o que isso significa nos dias de
hoje.
Sobre a frágil fronteira entre esses dois sentidos é que o
livro “Louco para ser normal”, do psicanalista e ensaísta britânico Adam
Phillips, se constrói.
Autor dos aclamados livros “Beijos, Cócegas e Tédio”;
“Winnicott”; “O flerte”, entre aqueles com tradução no Brasil. Phillips
apresenta, na forma, uma monografia antitética que discute o tempo todo a
interface-antagonismo entre os conceitos de sanidade e loucura.
Para tanto, convoca escritores (Shakespeare, Orwell, Stevenson, entre
outros) e personagens notórios da literatura e da mitologia (Rei Lear, Dr.
Jekyll e Mr. Hyde, Narciso, Édipo etc.). Vai à psicanálise de Freud, Melanie
Klein, D.W. Winnicott e Lacan; à psiquiatria (ou antipsiquiatria) de R.D.Laing.
Passa pela biologia de Richard Dawkins e
até pela economia de J.M.Keynes.
A obra se divide em
três partes. Na primeira, intitulada “A desconfiança da coisa: notas para a
definição de sanidade”, o autor demonstra o anacronismo de tal idéia, bem como
o seu desenvolvimento histórico. Assim, confronta concepções e conclui que há
ainda uma corrente reticência em relação
à sanidade e um evidente entusiasmo, senão glamurização quanto à loucura
que ainda não foi patologizada e relegada à disfuncionalidade: “quando
imaginamos os chamados loucos, eles aparecem diante de nós em imagens
sinistras, horripilantes, fascinantes ou aflitivas (...) Os loucos mobilizam as
pessoas (...) Os sãos não são notícia.”
Que fique claro, porém, que a loucura não está mais na moda como esteve.
Diz o autor: “ Foi moda, mas foi má idéia fazer dela uma moda. O problema foi
que, para as pessoas levarem a insanidade a sério, ela teve de ser glamurizada.
Foi transformada numa aventura.Atualmente, para a maioria, é o oposto: miséria
profunda, beco sem saída, sem nada de engraçado.As pessoas que a tornaram moda
foram responsáveis por duas coisas importantes. Os chamados ‘loucos’ passaram a
ser pessoas a ouvirmos, com coisas importantes a dizer -não são apenas gente
que assusta. Outra coisa: pessoas que parecem ser normais podem ser mais loucas
que os loucos”.
Na “Argumentação”, a segunda parte da obra, Adam Phillips
rebate a célebre afirmação de Erasmo de Roterdam, a qual, expressando ainda as
convicções contemporâneas, considera sã a mente que controla adequadamente
todos os órgãos do corpo. Para Phillips, sanidade é uma qualidade da mente e
não do corpo. Um termo que utilizamos para expressar um estado mental ideal. Na
remissão às teorias de Winnicott,
enumera itens do repertório impreciso da loucura e suas gradações,
lembrando que o paradoxo do desenvolvimento humano é que, ao percebemos o quão
desorganizadas e próximas de uma certa loucura são as crianças, aspiramos a uma
sanidade que se torna ela própria o problema.
Na última parte do livro, Phillips concede espaço mais
generoso à sua própria literatura, nada prescritiva, e não deixa epígonos. Na
busca dos significados de sanidade hoje, sua prosa atinge níveis de virtuosismo
e prossegue numa ‘dialética poética’ que tangencia certas prédicas dos
moralistes franceses, como Montaigne, Pascal, La Rochefoucauld ou dos filósofos
da felicidade, como os contemporâneos Marc Sautet e Allain de Boton.
BIOGRAFIA
Adam Phillips é psicanalista e colaborador regular dos periódicos “London Review of Books”, “Observer” e “New York Times”. Tem mais de dez livros publicados. É ainda editor da série de novas traduções inglesas da obra de Freud, publicada pela Penguin Books. Reconhecido como um dos grandes ensaístas de sua geração por seu ceticismo e viés polêmico, numa escrita estilisticamente primorosa, Phillips já foi chamado, pelo editor irlandês John Banville, de “um Emerson de nosso tempo”.

Vanessa
Maranha
Experiência
em jornalismo diário , ensino de idiomas e Psicologia (psicoterapia, perícia e
avaliação psicológica, RH). Exerce, paralelamente, atividades literárias.
Currículo Literário, Publicações e Premiações:
-Venceu o
Prêmio Barueri de Literatura 2013/2014, com o livro de contos “Oitocentos e
Sete Dias”, Editora Multifoco.

2013/2014, com o livro de contos “Quando não somos mais”.
- Foi uma das vencedoras do Prêmio OFF FLIP 2012 na categoria contos.
-Recebeu menção honrosa pelo conto “Ceias” no Prêmio Escriba de Literatura 2013
-Foi selecionada e participou da Oficina Literária da FLIP 2011, com o tema Crítica Literária.
-Foi selecionada e participou da Oficina Literária da FLIP 2010, com o tema Jornalismo Literário.
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