10/10/2015 – Como vimos anteriormente, a narrativa literária
é constituída, explícita ou implicitamente, de alguns elementos que lhe são
indispensáveis. No artigo anterior, mesmo que sucintamente, foi feita uma
descrição do elemento Personagem.
Uma vez que narrativa é o relato de uma sequência de ações
de alguma maneira articuladas entre si, e uma vez aceita essa definição,
pode-se então afirmar que toda ação transcorre no tempo, sendo este um dos
elementos da narrativa literária.
Há muitas maneiras de se trabalhar o tempo e outras tantas
maneiras de enfocá-lo.
Em primeiro lugar, deve-se fazer a distinção entre tempo do
discurso e tempo da história. Entender tal distinção é fundamental para que se
tenha clareza do processo da narração.
Para exemplificar, tomem-se duas escolas literárias: o
Romantismo e o Realismo.
Do Romantismo, pode-se dizer que, em geral, o discurso é
mais rápido, tomando-se menos tempo para um maior número de ações. E isso
porque o Romantismo aprofunda menos a escavação nos subterrâneos da personagem.
Tomemos um caso exemplar: Memórias de um sargento de milícias, de Manuel
Antônio de Almeida, um escritor brasileiro. Em poucas páginas o narrador vai da
infância do Leonardo até o início de sua maturidade. Os fatos acontecem quase
que vertiginosamente. E isso porque, nessa escola, a intriga é que interessa,
os fatos são mais importantes do que as personagens. Com pouco discurso,
relatam-se muitos fatos.
No Realismo, ao contrário, já não são os fatos o que mais
importa, e sim, suas motivações. Neste caso, é de suma importância o
aprofundamento nas razões das personagens, seu pensamento, seus sentimentos que
servem de motivações para seu comportamento. Machado de Assis, sobretudo em
seus livros de maturidade, é um bom exemplo do que se estás falando. E Memorial
de Aires é emblemático neste sentido. São muitas e muitas páginas desde o
primeiro encontro entre Fidélia e Tristão até a confirmação do amor que se
confessaram.
Em resumo, e abandonando o exemplo dessas duas escolas, há
romances, como o Ulisses, de James Joyce, em que um dia de Mr. Bloom é narrado
em 850 páginas (claro que se trata de um caso extremo), mas, por outro lado
encontra-se o Golpe de Misericórdia, de Marguerite Yourcenar, em que a história
toda, que atravessa a segunda guerra mundial é contada em 120 páginas.
A narrativa pode ser lenta, como no caso de Ulisses, como
pode ser acelerada, como em Golpe de Misericórdia. Isso tudo depende daquilo a
que se propõe o autor, ou seja, qual dos elementos ele quer priorizar. E não se
pode esquecer que a linguagem, como no caso de Ulisses, é de longe o aspecto
mais importante do livro. Suas rupturas com os códigos literários existentes,
suas inovações, invenções, seu discurso inteiramente estranho e inovador.
Há ainda com respeito ao tempo um outro enfoque possível. O
tempo histórico, o tempo da sociedade humana. Pode estar explícito, como no
caso do Golpe de Misericórdia, que marca o ano de 1939 como o início do
romance, mas também pode ser não datado, podendo-se, entretanto, estabelecer
alguns vestígios reveladores, como andar de automóvel ou de tílburi, que servem
de indicadores velados do tempo histórico.
* Menalton Braff é escritor, com 21 obras publicadas e
colunista da revista Carta Capital.
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