quarta-feira, 5 de abril de 2017

CANTIGAS DE AMIGOS


O Anão de Marraquesh
(Affonso Romano de Sant'Ana)

Para Yvonne Bezerra de Mello

Em Marraquesh
há um anão
que ensandece as mulheres.

Elas vão ao banho
(dizem aos maridos)
fazer limpeza de pele
mas algo a mais
ali sucede
basta ver como depois
além do corpo
a alma
lhes vai leve.


O segredo deste anão
está guardado
na palma de sua mão
pois com seus  dedos
sabe sublimar
as mulheres.

Elas vêm e ele
com silencioso gesto
pede que se dispam
-se despem.
se ele dissesse: voem
voariam, se dissesse:
dancem, dançariam
se dissesse: amem-me
-o seu mínimo corpo
 amariam.

Mas pede apenas
que  larguem  suas  vestes
e se deitem
à espera
que suas pequenas mãos
se agigantem e abram
portas janelas
desvãos abismos
na vertigem
da viagem
dentro da própria pele.

Quando se despem
despedem-se
dos maridos
e já não  mais carecem
de amantes
é como se Penélope
convertida em Ulisses
nas mãos do anão
a Odisséia sentissem.

Ninguém sabe
exatamente
o que seus  dedos operam.
Começa pelos pés
e algo vem subindo
devagar ao leve toque
que não toca
que roça
mas não fere
que solicita
e impera
e vai em círculos
como se o bem e o mal
se transcedessem
numa espiral
de delícias.


Os maridos e parceiros
ficam no hall do hotel
bebendo uisque
nas quadras
jogando  tênis
e nunca saberão
o que  ocorreu
ao  leve toque
daquelas pequenas
potentes
suaves
mãos.

Finda a massagem
(nome conveniente
à transfigurante
viagem)
as mulheres reaparecem
translúcidas
caminhando
a um  centimetro do chão
irrompem inalcançáveis
como se tivessem
tido uma visão.

Aos maridos não  adianta
qualquer explicação.
Há na pele da  alma delas
algo de que jamais
se esquecem:
o irrepetÍvel toque dos dedos
e das mãos
do anão de Marraquesh.




Nenhum comentário:

Postar um comentário

http://twitter.com/Menalton_Braff
http://menalton.com.br
http://www.facebook.com/menalton.braff
http://www.facebook.com/menalton.braff.escritor
http://www.facebook.com/menalton.para.crianças