Memória de uma velha feliz
(Renata Pallottini)
Para a praça miúda onde te pôs a sorte
eras trabalho, humor ,necessidade;
depois foste a forçosa mãe dos filhos
jovens como se é, uns lençóis remendados
que são, mais do que tudo, calendários.
Foram os filhos machos ,
um por vez ,
chamados à fatal
fornicação
resolvida em seqüente
casamento
e conseqüentes filhos, quase sempre.
A velha pôs-se viúva e órfã
de filhos.
Que poderia fazer sua coragem de leoa,
sua risada em
cachoeira pródiga?
Se pródiga se fez, foi só por conseqüência.
Desde então mentiu
muito, enganou os poderes,
tomou lugar que não lhe competia
exigiu dos mercados direito à velhice
e dançava e cantava na porta de casa.
Certo podeis dizer, em voz baixa : demência
Senil ... Eu vos direi no entanto
que a ninguém quis propor um espetáculo ríspido.
Estava apenas a representar
sua visão do mundo, a única possível
a seus olhos risonhos, sem nenhuma esperança
que não a de morrer se
rindo dos preceitos
que não a de enganar quem a enganava
e – por que não –de sonhar um mundo deleitoso
forrado de figuras dos artistas mudos
que, por igual razão, jamais a desmentiram.
Dorme em paz, mãe Fidela , mãe fiel
que fugias de casa e me insultavas
e me querias bem só me olhando nos olhos.
No teu céu socialista, hás de encontrar lagostas,
terás teu leite em pó que às vezes te faltava
teu homem , a quem amavas e,
diverso daqui ,
o direito à loucura
inocente e gaiata
com que responderás
aos brutos e aos solenes.
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