A poesia como expressão
Em diversos aspectos o Surrealismo
é uma dissidência do movimento Dada, movimento para o qual todos os valores
burgueses, inclusive os valores artísticos, não se justificavam mais por
estarem caducos. Entre as fontes em que se abastece a arte surreal, a despeito
de várias correntes que o negam, está Zigmund Freud, com as suas descobertas.
Aliás, difícil entender o livre-associacionismo, da escrita automática, sem
levar em conta as várias instâncias em que Freud dividiu nossa mente: consciente,
sub-consciente (era esse o nome dado na época) e inconsciente.
Mas o Surrealismo não tinha, como
arte, apenas um fundamento psicológico revolucionário
para que fosse, ele
também, o Surrealismo, uma arte revolucionária. Politicamente, assim como sua
matriz, o Dadaísmo, afinava com o pensamento anti-burguês, chegando a
simpatizar com o movimento socialista. Cláudio Willer, em seu magistral
prefácio para Manifestos do Surrealismo,
valendo-se do pensamento de Breton, afirma: “ Com efeito, ‘todos esses métodos
− e muitos outros − não eram e nem são exercícios gratuitos de caráter
estético. Seu propósito é subversivo: abolir esta realidade que uma civilização
vacilante nos impôs como sendo a unicamente verdadeira.”
Em suma, no Surrealismo vamos
encontrar não só uma técnica de se fazer arte, mas também, e muito mais
amplamente, uma visão nova da sociedade humana.
Merecem nossos parabéns os
professores Ricardo e Heloísa, cujo trabalho com literatura cumpre o digno
papel de levar o texto literário a seus alunos do Colégio Otoniel Mota, o que
já não é pouco, e além disso estimulam a produção literária dos próprios
alunos.
Em minhas mãos o “Projeto Murilo
Mendes”, autor estudado neste ano, com poemas de diversos alunos do 3º. Ano do
Ensino Médio. Nem todos, é claro, conseguem despir-se de seu pensamento lógico
cartesiano em suas criações, mas o fato de que alguns dos alunos tenham
atingido um nível excelente de poeticidade é um fato alvissareiro. Se a
escritura não se valeu inteiramente da livre associação, isso já era acusação
de Breton a muitos de seus seguidores. É muito difícil destacar de uma
coletânea como esta, produzida por algumas dezenas de jovens, um texto
exemplar, mas corro o risco de cometer injustiça, mas não chego ao fim sem
citar este
Nuvens na padaria
Nuvens de algodão caem do céu
Com pássaros andando
Sem rumo...
Olhando o azul flutuante...
Vidas as consomem
Como um buraco negro
E assim elas vão...
Bem próximo ao pipoqueiro
Bolinhos de chuvas
Rolam ao chão
Tortas de uva
Fritam no fogão
(Gabriel
Bardan Terra)
O primeiro verso parece fugir do
espírito já encontrado no título, chegando muito perto de ser apenas uma
metáfora, mas em seguida, o tom de non sense aparente do título é retomado. A
falta de lógica é aparente se levarmos em conta que o entrelaçamento dos
sentidos vem de outras áreas da mente, de um lugar mais profundo e de mais difícil
acesso.
Há outros bons textos, neste livro.
Aliás são quase todos surpreendentemente bons. E os temas mais encontrados não
são muito simples, como seria natural esperar de adolescentes: tempo,
desencontro, morte, política, voo, sonho, condição da mulher, espelho/identidade,
e claro, o lirismo amoroso.
Este é um livro que deverá estar na
biblioteca da instituição, que dele sentirá justificado orgulho.
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