Desembarque
(Alice Sampaio)
Decidiu não levantar até que
abrissem a porta. Teve que se espremer na poltrona do corredor pra dar passagem
aos ocupantes do centro e da janela. Esses, como todos os outros, não abriam mão de
seguir o velho “script”: levantar, catar bagagens e esperar em pé, quilos nos
ombros e nas mãos, até o momento, aparentemente inalcançável, em que a fila
começasse a andar.
Livre dos vizinhos, sentia nas
costas e nas pernas relaxadas o sabor de seu comportamento dissonante. A menos de vinte centímetros do braço direito,
a pequena multidão apinhada produzia suor e ansiedade.
Ainda remoía esse pensamento quando
percebeu que a fila começava a se movimentar. Adultos caminhavam lentamente
puxando as crianças pelos braços, sacolas batiam nos passageiros de trás, malas
espetavam as pernas de quem andava na frente.
Depois de alguns minutos, que foram atravessados arduamente
pelo cortejo, chegou a hora do
passageiro resistente levantar e fazer o mesmo percurso sem
paradas nem solavancos.
Parecia muito satisfeito com a
fluidez saboreada da poltrona até a porta. Mas parou antes de ultrapassar a
soleira da aeronave, recuou e olhou perdidamente para as poltronas vazias – uma
cena que nunca tinha tido a oportunidade de observar.
Pouco a pouco foi invadido pelo vazio
deixado pela multidão e então decidiu voltar. Ia voar até o destino seguinte
para ter a chance de enfrentar a fila de desembarque. Sem ela, sua viagem não
estaria completa.
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