domingo, 10 de dezembro de 2017

ENTREVISTA

No domingo passado, iniciamos a postagem de uma entrevista com Menalton Braff. Ele respondeu 36 perguntas, que dividimos em três etapas. Hoje publicamos aqui a segunda parte.

Para quem não conhece, Menalton Braff é escritor, com 24 livros publicados e vencedor de vários prêmios, entre os quais o Jabuti  Livro do ano, em 2.000.  É romancista, contista e escreve também livros infantis e juvenis.

Para quem você escreve? Para você mesmo, para Roseli (esposa), para seus colegas escritores ou para o público?
Meu primeiro leitor sou eu mesmo, um cara enjoado que joga muito texto no lixo por não ter sido do seu agrado. O prazer da criação é ainda maior do que o prazer do consumo. Aliás, não costumo voltar muito aos textos já publicados. O maior prazer é o parto, é ver surgir algo que não existia, umas coisas que inventei: uma personagem interessante, uma combinação inusitada de palavras, um achado qualquer de alguma originalidade. A Roseli é minha segunda leitora. Muitas vezes ela torce o nariz para alguma coisa que eu tenha produzido e já sei que tenho de continuar trabalhando. O público, os outros leitores estão fora do meu controle. Não sei quem vai ler. Tenho poucos leitores (pelo menos sou fraco de vendas), o que me indica que minha leitura não agrada muita gente. Não posso fazer nada quanto ao público – Escrevo como sei escrever e ponto final.  

Quando está escrevendo, você pensa no impacto que causará nos leitores?
Não, não penso. Nem sei se causo algum impacto. Eu procuro fazer arte e para isso escrevo com minha cosmovisão sobre assuntos que me espantam ou me encantam, mas isso é uma necessidade
minha.  Também não procuro agradar, passar a mão na cabeça de ninguém.  A arte pode ir do sublime ao grotesco e manter-se arte. O modo como isso é recebido eu não sei, mas sei que nunca existe unanimidade entre os receptores. 

Você acredita que todo livro é, de alguma maneira, autobiográfico ou a ficção pode se libertar completamente dos fatos e temas vivenciados pelo escritor?  
Sem dúvida, no meu caso, me libertei dos fatos vivenciados.  O sentido do “autobiográfico”, assunto tão discutido por especialistas, me parece que se restringe ao fato de que o escritor escreve aquilo que tem na mente, e o que ele tem na mente passa muito por sua experiência pessoal. Mas isso é uma regra geral com infinidade de exceções. Há autores que até disfarçam, às vezes, mas jogam no papel os fatos de sua experiência. Ultimamente o narrador em primeira pessoa predominando é resultado disso.  Existem autores que não conseguem narrar usando narrador em terceira pessoa.  É uma questão de técnica narrativa.

Você viveu intensamente a época da ditadura e esse tema está presente em mais de um dos seus livros. Você acha que a literatura tem necessariamente uma função política? E educativa?
Não obrigatoriamente. Pode até ter tais funções, mas não se prende a isso. Quando o eixo principal deixa de ser o eixo da expressão, deixa de ser literatura e passa a ser panfleto. E isso é outro departamento. Se é útil, não é arte. No sentido kantiano da expressão. A arte é tão inútil quanto é inútil ter filho. Porque ver utilidade no filho transforma-o em mão-de-obra, arrimo da velhice, coisas assim.

Seus dois primeiros livros foram assinados com pseudônimo porque na época você temia perseguições políticas. Foi diferente escrever como Salvador dos Passos e escrever como Menalton Braff, ou essa questão da assinatura não influenciou em nada o processo de criação?
Na hora da produção, na verdade, não me lembro nem do meu nome.  Por uns tempos andei meio cabreiro com as notícias de amigos e colegas meus que sofreram golpes muito duros dos governantes da época.  Sei de casos até de assassinatos.  Então resolvi usar o disfarce do pseudônimo, pois não tinha conhecimento da minha verdadeira situação junto aos órgãos repressores.  Mas acho que a questão da assinatura era de menor importância.

Sua obra inclui livros para adultos, jovens e crianças. É o mesmo Menalton que escreve para os três públicos ou você sente uma mudança de estado ao se transportar de um público para outro?
Não me sinto muito confortável escrevendo para jovens e crianças. As questões da estética literária são obnubiladas por questões de ética. Para jovens e crianças devo escrever numa linguagem adequada, vocabulário corrente (não simplório) mas sem obstáculos em excesso, com ausência dos considerados temas politicamente incorretos, como propaganda de violência, racismo etc.  Essas questões e muitas outras funcionam como amarras na produção.

Qual dos seus livros você mais gosta e por que? Como você escreveu para adultos, jovens e crianças, talvez fosse interessante apontar o livro preferido de cada categoria.
Resposta muito difícil. Cada livro é fruto de um momento, uma emoção, uma experiência de vida, uma experiência estética. Não é simples. Valorar as emoções? De que maneira? A angústia está num patamar superior ao medo? A alegria é superior á emoção causada por uma vitória? Enfim, como dizer que num livro estou melhor representado, dizer que ele me deu maior satisfação? Essa eu passo.

Você é casado com uma professora de literatura que é também editora de livros. Esse ambiente familiar literário influencia em suas obras?
Talvez me sinta estimulado pelo ambiente, nossas conversas. Mas comentamos muito mais a literatura de terceiros. Não sou eu, porém, que posso responder. Isso de influência é outra coisa muito complicada. Existe influência positiva, mas também existe influência negativa, cujas intensidades é impossível avaliar.

Você é um homem antenado. Tem presença significativa nas redes sociais e vem aderindo, ao longo dos anos, a cada nova forma de comunicação (E-mail, Skype e agora WhatsApp). Esta não é a regra entre os escritores, especialmente os que já passaram dos 60 anos. A que se deve esse ‘antenamento’? A uma curiosidade natural, a uma afinidade com a tecnologia, ou a uma necessidade de se sentir conectado?
Na verdade não nutro lá grande simpatia pela tecnologia. Sou muito físico, material, prefiro a conversa olhando no olho do interlocutor. Parece que eu era mais feliz com a minha Lettera do que agora. Mas a tecnologia é imperativa, não há como fugir dela. Tenho celular e recebo umas cinco ligações por mês, mas não posso me privar dele, porque uma dessas cinco é aquela que vai me levar para o céu. Eu me anteno porque não me dão a oportunidade de curtir a vida isolado. A tecnologia é o mal necessário na minha vida.

Por falar em conexão, compartilhamento, há anos você compartilha suas impressões e conhecimento literário com um grupo de pessoas que se reúne em Ribeirão Preto em um grupo batizado como Grupo Dom Quixote de Leitura. Como funciona esse grupo e o que ele lhe proporciona?
O Grupo Dom Quixote, que já existe há quinze anos, reúne-se no último domingo de cada mês durante duas horas para cada integrante falar de suas impressões sobre o livro escolhido daquele mês. Procuramos escolher obras que sejam canônicas, mas às vezes damos passagem à curiosidade e descobrimos romances que podem ser ótimos ou não. Nós nos reunimos em um grupo informal, porque a troca de opiniões é sempre enriquecedora. Os integrantes têm com a literatura apenas uma relação de amor, e na vida exercem as mais diversas profissões. 

Você tem hoje um uma intensa agenda de visitas a escolas, centros culturais e até a presídios. O que esses encontros lhe proporcionam em termos de troca? Essas interações chagam a influir em seu trabalho literário pela experiência humana que proporcionam?
Não, os encontros não influem absolutamente em nada da produção. São experiências humanas como quaisquer outras. Claro que uma das condições do escritor é estar sempre de antena ligada, então os encontros são captados como uma cerveja com um amigo, o aniversário de um sobrinho e la nave va.

Alguns escritores contam que obedecem uma rígida disciplinam relação à escrita. Alguns, inclusive, reservam determinado horário do dia para escrever. Você tem essa disciplina? Como é o seu dia a dia?
Não tenho isso de “dia a dia”. Na verdade sou livre para ter “dias a dias”. Quando estou trabalhando em um romance, então sim, tenho a manhã para escrever. Todos os dias. E tenho a tarde para outras atividades, entre as quais a principal é a leitura, principalmente de textos teóricos. À noite vejo os noticiários e termino o dia lendo outra vez, que ninguém é de ferro. Costumo ler dois livros simultaneamente, em horários diferentes.

Para ler a primeira parte, clique no link a seguir:
https://blogdomenalton.blogspot.com.br/2017/12/entrevista.html

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