Para quem não conhece, Menalton Braff é escritor, com 24 livros publicados e vencedor de vários prêmios, entre os quais o Jabuti Livro do ano, em 2.000. É romancista, contista e escreve também livros infantis e juvenis.
Para quem você escreve? Para você mesmo, para Roseli (esposa), para seus colegas
escritores ou para o público?
Meu primeiro leitor sou eu mesmo, um cara enjoado que
joga muito texto no lixo por não ter sido do seu agrado. O prazer da criação é
ainda maior do que o prazer do consumo. Aliás, não costumo voltar muito aos
textos já publicados. O maior prazer é o parto, é ver surgir algo que não
existia, umas coisas que inventei: uma personagem interessante, uma combinação
inusitada de palavras, um achado qualquer de alguma originalidade. A Roseli é
minha segunda leitora. Muitas vezes ela torce o nariz para alguma coisa que eu
tenha produzido e já sei que tenho de continuar trabalhando. O público, os
outros leitores estão fora do meu controle. Não sei quem vai ler. Tenho poucos
leitores (pelo menos sou fraco de vendas), o que me indica que minha leitura
não agrada muita gente. Não posso fazer nada quanto ao público – Escrevo como
sei escrever e ponto final.
Quando está escrevendo, você pensa no impacto que causará nos leitores?
Não, não penso. Nem sei se causo algum
impacto. Eu procuro fazer arte e para isso escrevo com minha cosmovisão sobre
assuntos que me espantam ou me encantam, mas isso é uma necessidade
minha. Também não procuro agradar, passar a mão na cabeça de ninguém. A arte pode ir do sublime ao grotesco e manter-se arte. O modo como isso é recebido eu não sei, mas sei que nunca existe unanimidade entre os receptores.
minha. Também não procuro agradar, passar a mão na cabeça de ninguém. A arte pode ir do sublime ao grotesco e manter-se arte. O modo como isso é recebido eu não sei, mas sei que nunca existe unanimidade entre os receptores.
Você
acredita que todo livro é, de alguma maneira, autobiográfico ou a ficção pode se
libertar completamente dos fatos e temas vivenciados pelo escritor?
Sem dúvida, no meu caso, me libertei dos
fatos vivenciados. O sentido do “autobiográfico”,
assunto tão discutido por especialistas, me parece que se restringe ao fato de
que o escritor escreve aquilo que tem na mente, e o que ele tem na mente passa
muito por sua experiência pessoal. Mas isso é uma regra geral com infinidade de
exceções. Há autores que até disfarçam, às vezes, mas jogam no papel os fatos
de sua experiência. Ultimamente o narrador em primeira pessoa predominando é
resultado disso. Existem autores que não
conseguem narrar usando narrador em terceira pessoa. É uma questão de técnica narrativa.
Você
viveu intensamente a época da ditadura e esse tema está presente em mais de um dos
seus livros. Você acha que a literatura tem necessariamente uma função
política? E educativa?
Não obrigatoriamente. Pode até ter tais
funções, mas não se prende a isso. Quando o eixo principal deixa de ser o eixo
da expressão, deixa de ser literatura e passa a ser panfleto. E isso é outro
departamento. Se é útil, não é arte. No sentido kantiano da expressão. A arte é
tão inútil quanto é inútil ter filho. Porque ver utilidade no filho
transforma-o em mão-de-obra, arrimo da velhice, coisas assim.
Seus dois primeiros livros foram assinados
com pseudônimo porque na época você temia perseguições políticas. Foi diferente
escrever como Salvador dos Passos e escrever como Menalton Braff, ou essa
questão da assinatura não influenciou em nada o processo de criação?
Na hora da produção, na verdade, não me
lembro nem do meu nome. Por uns tempos
andei meio cabreiro com as notícias de amigos e colegas meus que sofreram
golpes muito duros dos governantes da época.
Sei de casos até de assassinatos.
Então resolvi usar o disfarce do pseudônimo, pois não tinha conhecimento
da minha verdadeira situação junto aos órgãos repressores. Mas acho que a questão da assinatura era de
menor importância.
Sua
obra inclui livros para adultos, jovens e crianças. É o mesmo Menalton que
escreve para os três públicos ou você sente uma mudança de estado ao se
transportar de um público para outro?
Não me sinto muito confortável escrevendo
para jovens e crianças. As questões da estética literária são obnubiladas por
questões de ética. Para jovens e crianças devo escrever numa linguagem
adequada, vocabulário corrente (não simplório) mas sem obstáculos em excesso,
com ausência dos considerados temas politicamente incorretos, como propaganda
de violência, racismo etc. Essas
questões e muitas outras funcionam como amarras na produção.
Qual
dos seus livros você mais gosta e por que? Como você escreveu para adultos,
jovens e crianças, talvez fosse interessante apontar o livro preferido de cada
categoria.
Resposta muito difícil. Cada livro é fruto
de um momento, uma emoção, uma experiência de vida, uma experiência estética.
Não é simples. Valorar as emoções? De que maneira? A angústia está num patamar
superior ao medo? A alegria é superior á emoção causada por uma vitória? Enfim,
como dizer que num livro estou melhor representado, dizer que ele me deu maior
satisfação? Essa eu passo.
Você
é casado com uma professora de literatura que é também editora de livros. Esse
ambiente familiar literário influencia em suas obras?
Talvez me sinta estimulado pelo ambiente,
nossas conversas. Mas comentamos muito mais a literatura de terceiros. Não sou
eu, porém, que posso responder. Isso de influência é outra coisa muito
complicada. Existe influência positiva, mas também existe influência negativa,
cujas intensidades é impossível avaliar.
Você
é um homem antenado. Tem presença significativa nas redes sociais e vem
aderindo, ao longo dos anos, a cada nova forma de comunicação (E-mail, Skype e
agora WhatsApp). Esta não é a regra entre os escritores, especialmente os que
já passaram dos 60 anos. A que se deve esse ‘antenamento’? A uma curiosidade
natural, a uma afinidade com a tecnologia, ou a uma necessidade de se sentir
conectado?
Na verdade não nutro lá grande simpatia
pela tecnologia. Sou muito físico, material, prefiro a conversa olhando no olho
do interlocutor. Parece que eu era mais feliz com a minha Lettera do que agora.
Mas a tecnologia é imperativa, não há como fugir dela. Tenho celular e recebo
umas cinco ligações por mês, mas não posso me privar dele, porque uma dessas
cinco é aquela que vai me levar para o céu. Eu me anteno porque não me dão a
oportunidade de curtir a vida isolado. A tecnologia é o mal necessário na minha
vida.
Por
falar em conexão, compartilhamento, há anos você compartilha suas impressões e
conhecimento literário com um grupo de pessoas que se reúne em Ribeirão Preto
em um grupo batizado como Grupo Dom Quixote de Leitura. Como funciona esse
grupo e o que ele lhe proporciona?
O Grupo Dom Quixote, que já existe há
quinze anos, reúne-se no último domingo de cada mês durante duas horas para
cada integrante falar de suas impressões sobre o livro escolhido daquele mês.
Procuramos escolher obras que sejam canônicas, mas às vezes damos passagem à
curiosidade e descobrimos romances que podem ser ótimos ou não. Nós nos
reunimos em um grupo informal, porque a troca de opiniões é sempre
enriquecedora. Os integrantes têm com a literatura apenas uma relação de amor,
e na vida exercem as mais diversas profissões.
Você tem hoje um uma intensa agenda
de visitas a escolas, centros culturais e até a presídios. O que esses
encontros lhe proporcionam em termos de troca? Essas interações chagam a
influir em seu trabalho literário pela experiência humana que proporcionam?
Não, os
encontros não influem absolutamente em nada da produção. São experiências
humanas como quaisquer outras. Claro que uma das condições do escritor é estar
sempre de antena ligada, então os encontros são captados como uma cerveja com
um amigo, o aniversário de um sobrinho e la nave va.
Alguns escritores contam que obedecem uma rígida disciplinam relação à
escrita. Alguns, inclusive, reservam determinado horário do dia para escrever.
Você tem essa disciplina? Como é o seu dia a dia?
Para ler a primeira parte, clique no link a seguir:
https://blogdomenalton.blogspot.com.br/2017/12/entrevista.html
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