
A entrevista completa com Menalton Braff tem 36 perguntas sobre sua carreira e sobre o que pensa e sente ao escrever, além de questões mais amplas sobre a literatura.
Para quem não conhece, Menalton Braff é escritor, com 24 livros publicados e vencedor de vários prêmios, entre os quais o Jabuti Livro do ano, em 2.000. É romancista, contista e escreve também livros infantis e juvenis.
Você ganhou o prêmio máximo do Jabuti (Livro do ano 2.000 com À sombra
do cipreste) e vários outros prêmios, inclusive o Selo Altamente Recomendável
da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ (com Castelo de Areia).
O que significou cada um deles para você?
Do ponto de vista de uma carreira literária os prêmios são importantes,
pois representam o reconhecimento alheio a seu trabalho. Mas ninguém escreve
pensando em prêmios. O prêmio, se acontecer, é bem-vindo, mas sua notícia fica
restrita ao meio, isto é, àqueles
que de alguma forma formam a comunidade literária por fazeres ou
consumo. O Selo da FNLIJ tem um resultado mais prático. Muitas
instituições culturais ou de ensino tomam suas decisões com base no Selo.
Seus livros juvenis foram adotados por programas oficiais de educação,
sendo levados a milhares de jovens. Como você se sente em relação a isso? É uma
realização ser lido por tanta gente? Isso aumenta a responsabilidade em relação
ao que você transmite aos jovens?
Na verdade não me sinto, pois não posso imaginar onde vão parar os
livros, quem lê, o que pensa sobre o que lê. Não se tem este feed-back. Logo,
ou tenho o senso da
responsabilidade ou não tenho. Não existe esta relação entre
leitores e produção literária.
O Mário de Andrade disse que seria lido por cinquenta pessoas. E já estava satisfeito. Cinquenta, quinhentos, cinco mil, que diferença faz?
O Mário de Andrade disse que seria lido por cinquenta pessoas. E já estava satisfeito. Cinquenta, quinhentos, cinco mil, que diferença faz?
Você alcançou também o público internacional. Um de seus contos,
“A dona da casa”, foi escolhido para integrar a coletânea
"Brasilianische Kurzgeschten" (Contos brasileiros) publicada por uma
editora alemã e lançada durante a Feira Internacional de Literatura de
Frankfurt, em outubro de 2013. É importante para um escritor ganhar público
fora de seu país, ou permanece aquela impressão de que as traduções são sempre
insuficientes e é melhor ser lido em seu próprio idioma?
Bem, do ponto de vista comercial deve ser importante, mas o fato de ser
publicado fora do Brasil não consegue emocionar. O autor não sente que
ficou melhor ou pior, não cresceu ou diminuiu por ter sido publicado em outra
língua. Se conquistei um espaço ainda muito pequeno no Brasil, por que me
preocupar com publicação no exterior?
Alguns de seus livros foram estudados por pesquisadores acadêmicos, em
dissertações de mestrado e teses de doutorado. Você se sente confortável com
essa ‘devassa’ que os pesquisadores fazem em seu trabalho? Isso lhe traz alguma
revelação sobre seus próprios textos? Alguma vez você pensou nessas análises
enquanto escrevia um livro?
De maneira alguma no ato da produção penso em algo alheio ao que estou
fazendo. Os textos acadêmicos não me são desconfortáveis, pois suas
conclusões esclarecem sobretudo outros estudiosos. Mas muitas vezes descubro
que aquilo que havia feito intuitivamente está teorizado, e isso me joga luz
nos conhecimentos teóricos e no uso das técnicas narrativas. É o caso, por
exemplo, da dissertação de Mestrado da Beleboni, que trabalhou os traços
impressionistas de “À sombra do cipreste”. Eu produzi contos durante algum
tempo com algumas características comuns porque isso me agradava, mas a
dissertação da Rafaela me aumentou a consciência do que havia feito.
O fantasma da página em branco assombra muitos escritores, mas parece
que com você isso não acontece com frequência, a julgar pela quantidade de
livros que já escreveu. Em algum momento você já ficou sem inspiração para
escrever?
Ah, mas não sou escritor online 24h por dia. Tenho meus lapsos de
produção, que podem variar de algumas horas a alguns meses. Chega um
momento em que me sinto cansado, com vontade de me enfurnar no mato, me isolar,
e nesses momentos não consigo nem ler. Boto a cabeça em repouso e quase viro
vegetal.
Rainer Maria Rilke pergunta ao ‘jovem escritor’ se ele morreria se não
pudesse escrever. Você acha que todo verdadeiro escritor morreria se não
pudesse mais escrever?
Acredito que a afirmação do Rilke seja metafórica, mas não entendo que a
compulsão à escrita seja assim tão violenta. Não escrever causa profundo
mal-estar, um desconforto muito grande em estar aqui sem objetivo algum. Mas
isso depende do escritor. O caso do Raduan Nassar é emblemático. Escreveu duas
obras-primas, ninguém pode negar que foi um dos grandes escritores do século
XX, de repente e inexplicavelmente parou de escrever e não morreu. Disse o que
tinha de dizer e não disse mais nada.
Há quem diga que o escritor não vive a realidade concreta porque passa o
tempo trancado em casa vivendo a vida de seus personagens. Você concorda com
isso? É possível conciliar as duas coisas; a vida concreta e a
literatura?
Não me agradam as generalizações. Não existe “o escritor”, mas “os
escritores”. Cada um vive, sente, age a seu modo. Huysmans, por exemplo, me
parece um escritor que caberia na sua afirmação. Mas e o Lima Barrreto? O
próprio Machado, funcionário exemplar, assíduo e dedicado a seu serviço. Não,
não concordo. A literatura é também parte da “vida concreta”. Não há por que
conciliar.
Você tem hoje um uma intensa agenda de visitas a escolas, centros
culturais e até a presídios. O que esses encontros lhe proporcionam em termos
de troca? Essas interações chagam a influir em seu trabalho literário pela
experiência humana que proporcionam?
Não, os encontros não influem absolutamente em nada da produção. São
experiências humanas como quaisquer outras. Claro que uma das condições do
escritor é estar sempre de antena ligada, então os encontros são captados como
uma cerveja com um amigo, o aniversário de um sobrinho e la nave va.
Em sua opinião, qual é a função da literatura, o que ela pode
proporcionar aos leitores?
A verdadeira literatura não tem função no sentido prático. A verdadeira
literatura é arte e a arte basta-se a si mesma. Mas como as pessoas querem
respostas sobre a utilidade das coisas, (o Kant virou-se no túmulo), podemos
dizer que a literatura promove um melhor auto-conhecimento do leitor, clareia
para ele mesmo sua identidade, além de expressar (queira ou não) a identidade
de um povo. Mas acima de tudo, a literatura deve causar emoção. Como dito
acima, o que é básico na literatura é seu aspecto estético, sem o quê pode ser
considerada literatura de consumo, ou literatura banal.
Existe uma forte relação entre Menalton escritor e Menalton leitor, ou o
Menalton leitor busca obras inteiramente diferentes daquelas que escreve?
Mas o Menalton escritor não deixa de ser o leitor de si mesmo.
Todas as obras são diferentes entre si. Mesmo os meus livros, não tenho dois
que sejam semelhantes. Quando procuro um livro para ler, me baseio em opiniões
de críticos, de outros escritores, procuro literatura de qualidade, aquela que
me transforme, que me provoque alguma reação, alguma emoção (estética ou não).
Quando o escritor sente mais alegria? Ao escrever, ao concluir o livro,
ao conseguir uma editora, ao vê-lo impresso, no dia do lançamento, quando
recebe uma premiação?
Não há como aferir os diversos sentimentos de alegria, mas depois do
ponto final posso afirmar que, no meu caso, existe muito mais sofrimento do que
alegria. Lidar com o mercado editorial é sentir-se queimando no fogo do
inferno.
Você foi professor por muitos anos. Quais as diferenças entre as duas
profissões? Como conseguiu conciliá-las por tanto tempo?
Não, não existe conciliação. Uma coisa não tem a menor relação com a
outra. Falar de literatura em sala de aula é falar de um objeto que se adquire,
ou não, principalmente aqui no Brasil, em que as aulas de literatura na verdade
são aulas de história da literatura brasileira. Gosto de falar do Machado de
Assis? Claro! Tenho a maior veneração por sua obra. Mas quando estou escrevendo
o Machado volta para o Brasil de 1908 e não me lembro mais dele.
O que você recomendaria a um escritor que ainda está começando a carreira?
Bah, isso não existe. Não recomendo nada. Se está começando, continue
procurando seu próprio caminho.
Link para a primeira parte:
Link para a segunda parte:
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