Esta coluna reúne comentários de Menalton Braff sobre livros de outros autores, muitos deles publicados como orelhas.
Desproteção
Volto a me encontrar com a poesia do João Augusto, neste Sem a sombra de um guarda-chuva, e é um reencontro prazeroso. O poeta, percebe-se, é o mesmo, mas depois de um ano, pouco mais ou menos, sua poesia me dá a impressão de amadurecimento no melhor sentido do termo.
No plano da forma, encontra-se uma utilização mais rica dos recursos poéticos, dentre os quais se deve destacar a elaboração do verso. Quando se aboliu métrica e rima (Futurismo, Modernismo), muito poeta menor pensou que se abolia o ritmo e passou a cortar aleatoriamente suas frases pensando que fazia poesia com isso. O verso é uma unidade rítmica e não apenas a partição arbitrária da frase prosaica. Sem isometria, mas com ritmo, esse é o verso do João Augusto, que isso sim é poesia moderna.
Suas metáforas continuam insólitas, chegando em muitos poemas a beirar o Surrealismo de forma natural, como uma necessidade de sua poesia. É o caso, por exemplo, do verso abaixo, de seu poema Realinhamento:
É reduzir o tempo e redobrar as roupas
Não se deve esquecer que literatura não é comunicação, mas expressão. Para aqueles habituados a uma leitura referencial, de primeiro nível, é necessário que se diga que a poesia deve afetar o leitor, não como lição, mensagem ou qualquer outro dos equívocos que correm por aí. Não há uma aparente relação entre as partes do eixo sintagmático, mas a leitura profunda vai revelar que reduzir o tempo
implica uma diminuição (da vida?, da viagem?, do trabalho?) parente próximo de redobrar as roupas, ou seja, uma atitude estática e uma ação. Mas a literatura é texto aberto, e outras interpretações não
seriam despropositada, como não seria despropositada a ausência de interpretação, que é sempre a paráfrase do poema, é a tentativa de racionalizar o que muitas vezes é irracional (no sentido nitzscheano).
Burlesco
A humanidade é uma graciosa farsa/ Mas os chimpanzés são mais ousados/ Porque troçam e pilham/ Animais enjaulados/ Nem troçamos nem pilhamos/ Repetimos os monos e rimos/ Mais com as sobrancelhas/ Que dão guarda ao coração/ Olhos de anfíbios/ Que expelem veneno/ Tão natural e abundante/ Como a saliva que pulsa/ Em minha sua boca/ Cheia de dentes/ Esperando a cortina/ A encerrar o copo/ De alucinações
Eis um poema, um belo poema em que a “escrita automática” propugnada por Breton é instrumento de beleza.
No lirismo reflexivo de João Augusto, pressente-se a busca desesperada da identidade e dos sentidos da vida. São cinquenta e cinco poemas sem desnível, porque todos da mais alta qualidade poética.
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