Este conto foi publicado originalmente na Antologia Solidária Barretos.
A Princesa e o Super-Herói
(Renata Romami)
Em um momento de coração partido, sonhos perdidos e desesperança, ela chegou; no mesmo instante, tornou então a pulsar aquele coração com vigor e o encheu de esperança, planos e sonhos. Aconteceu em um reino tão, tão distante (até torcíamos pela criação de um trem-bala nas próximas eleições): rompemos todas as fronteiras, estradas e postos de gasolina, (já que não usamos a carruagem tradicional, devido aos buracos na pista), para acalentar nos braços aquela que nos foi enviada pelos anjos da guarda. Uma linda Princesa, delicada, serena e com a pele tão clara que, em alguns momentos, confundíamos com a Branca de Neve. A nossa Bela já nasceu com uma Fera ao seu lado, um fiel escudeiro que, mesmo com um comportamento bruto, rústico e sistemático, não podia ouvir qualquer chorinho da pequenina que corria com as suas quatro patas e colocava seu focinho vermelho na janela com olhar de bronca contra todos os cuidadores que a cercavam.
Parceria implacável: imagine só um ogro canino com tiara de princesa?
Vai entender aquela amizade tão forte e parceira, de cumplicidade tamanha que as casas de aposta afirmam que, no futuro, a princesa se tornará doutora dos bichos. Esta menininha cresceu com toda graça e beleza. Por vezes, conseguimos enxergar ao redor dela aquelas estrelas brilhantes que rodeiam a Cinderela quando a Fada Madrinha lhe concede um lindo vestido para o baile.
E, nas férias de verão, esta miúda se encantou com as águas claras; como Pequena Sereia, cantarolava o dia todo: quem me ensinou a nadar... foi foi foi minha pimáaaaa! Foi foi minha pimáaaaa. Tanto o encanto quanto a meiguice cresciam da mesma forma que os cabelos da Rapunzel. Ah! Não existiam melhores tempos para aquele coração que contei no início do que estar bem pertinho daquela Princesa, que adorava estar em volta de papéis e tinta, desenhando para todos do seu reino encantado (mesmo estes ainda sendo devidamente acompanhados de tradução, já que eram extremamente
abstratos, necessitando de legendas) e descobrir onde encontrar pombos-correios para as entregas.
Foram vários quebra-cabeças, comidinhas de verdade nas panelinhas de plástico, bolo de chocolate para o aniversário das bonecas, horas infindáveis de desenhos animados de galinhas azuis e porquinhas cor-de-rosa. E uma grande aventura a de encontrar, em terras desconhecidas, o pula-pula com algodão doce, sem qualquer aplicativo de rota que pudesse salvá-las. Já não se mostrava como a desprotegida Bela Adormecida; notava-se na pequena força e determinação muito parecidos com a princesa Mérida, já independente, destemida e corajosa. Embrenhou-se pelo mundo escolar cheia de entusiasmo e curiosidade. Seu simples aceno inverteu a situação que tradicionalmente ocorre nas primeiras semanas de aulas de todas as escolas do universo: Papai e Mamãe chorando e filhinha toda feliz, de mãos dadas com a professora.
Bom, assim nossa Princesa iniciou seus estudos, trazendo certa dificuldade aos colegas, pois já conhecia as cores em duas línguas, o que aterrorizava um pouco a turma. Tudo devidamente superado e compartilhado com todos os amigos. E a nossa Moana ganhou um companheiro para velejar
pelos oceanos da vida.
Já que não contente com a Princesa trazida pelos anjos da guarda, Deus foi mais uma vez extremamente generoso para aquele coração, e por meio das mãos dos Três Reis Magos concedeu-lhe um lindo Super-Herói. Quanta ansiedade nos dias que antecederam seu nascimento! Foram muitos fogos, brindes e celebrações já que “quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança fazendo-a funcionar no limite da exaustão” (Roberto Pompeu de Toledo). E quanta esperança, carinho e amor naquele coração lá do inicio, nossa! Agora, ele explodiria de tanta felicidade. Não só o coração sentiu aquele nascimento, o
pescoço também foi uma parte do corpo humano que até hoje ainda possui reflexos daquela primeira noite. Imaginem só uma noite inteirinha com os músculos do pescoço contorcidos para observar a movimentação respiratória daquele pedacinho de gente. Dores musculares devidamente superadas,
chegou a hora do pequeno Herói conhecer a Princesa.
Momento mágico: o olhar de encanto da pequenina sobre aquele bebê fez nos lembrar do amor e carinho com que a Lilo cuida do Stich: simplesmente contagiante. Com a sua capa vermelha, nosso Super-Homem chega em casa, voando devidamente protegido pelos pais e avós de toda e qualquer Kryptonita. Uma dúvida pairava no ar: como seria a reação daquele que reinava no lar quando os seus belos olhos azuis e o seu focinho gelado encontrassem o pequenino? Foi realmente coisa de desenho animado! Testemunhas relataram à Lois Lane que foi possível notar aquele monte de coraçõezinhos saindo dos olhos humano e canino, impressionante a parceria que se formou. Por vezes, o bebê foi o Homem Invisível, passando pedaços de frutas e biscoitos por baixo do cadeirão para o seu amigão. Em outras o Flash, correndo atrás daquelas patas curtinhas ao som de estrondosas gargalhadas: como não permitir a divisão do berço ou da caminha de cachorro quando o cansaço abatia-os. Ah!
Mas nada se compara à formação da Liga da Justiça: nosso Super Homem juntou-se a todos os outros super-heróis, reunidos em uma só pessoa, com cabelos da cor do Surfista Prateado e olhos de Lanterna Verde; essa equipe se solidificou, regada a muito pão de queijo, água de coco e melancia.
Deliciosa sensação vivenciar o pequeno como Aquaman na piscina, ou desbravando o portão como o Homem Aranha, fazendo todas as artes como Perequepé, aguardando os dias para encontrar a Princesa e colocar em prática todas as brincadeiras e aventuras.
E o coração, que era minúsculo no começo da nossa história, agora não consegue limitar seu tamanho e alcance. Apenas agradece a Deus o envio da Princesa e do Super-Homem, e roga para que continuem crescendo com o encanto e sabedoria dos contos de fadas e a força e generosidade das
histórias dos super-heróis.
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