sábado, 23 de fevereiro de 2019

ORELHA

Esta coluna reúne textos de Menalton Braff sobre livros de outros autores, muitos deles publicados como orelhas. O que escolhemos para hoje fala sobre "A noite da espera", de Milton Hatoum, e foi postado originalmente no Escritablog. 


Uma tribo em Brasília


A mãe alega a morte do amor pelo marido para juntar-se a um artista plástico inexpressivo, segundo a opinião de Martim, seu filho e narrador protagonista. O pai, engenheiro civil, politicamente conservador, resolve aceitar um trabalho em Brasília para onde leva o filho adolescente.

O cenário quase que total onde se movimentarão as personagens deste A noite da espera é a capital federal, de que o autor pinta um quadro humano constituído das mais variadas cores, onde se incluem jovens de esquerda, ou seja, contrários à ditadura, deputados, senadores, diplomatas. Estamos em 1968 e os militares lançam mão de qualquer recurso para se manterem no poder. Muita poesia, drogas, sexo e política e tem-se o panorama criado pelo autor da vida em Brasília durante o regime militar.

Nesta obra, acontecem algumas surpresas para quem esperava o ambiente manauara dos outros romances. Nem por isso Milton Hatoum foge em A noite da espera a uma de suas características basilares, ou seja, a interseção entre sua própria vida e a ficção. É dele a afirmação: “Relato de um


certo Oriente há um tom de confissão, é um texto de memória sem ser memorialístico, sem ser auto-biográfico; há, como é natural, elementos de minha vida e da vida familiar.”

Outra surpresa, se é que se pode considerar supreendente, é a quantidade de personagens, sobretudo jovens, em cujos encontros acontece de tudo, inclusive a fundação de uma revista de arte, a Tribo.
Escolas são fechadas ou ameaçadas de, uma livraria é forçada a desaparecer, professores são demitidos, alunos são presos, todo esse ambiente ali, sob os olhos de jovens que ainda mal cumprem o exercício de adolescer.

Martim, o adolescente narrador protagonista, sofre a angústia da espera por notícia da mãe, que não revela o endereço onde vive. Sozinho com o pai, um engenheiro conservador com o qual não consegue conviver, acaba perambulando por salinhas onde estende um colchão, quartos em casa de amigos, até ser alertado de que está com sua liberdade ameaçada e viaja para Goiânia, onde deverá tomar um ônibus para seu retorno a São Paulo.

Entremeados com as narrativas brasilienses, o narrador aparece dez anos mais tarde em Paris, como na verdade aconteceu a muitos brasileiros naquela época.

Este é o primeiro volume da trilogia O lugar mais sombrio. Vale a pena esperar pelos dois volumes que lhe seguem.

A linguagem de Milton Hatoum, essa mantém-se com a mesma qualidade dos romances anteriores, isto é, um texto agradável e envolvente, como dele afirmou o colunista Roberto Amorim.

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