segunda-feira, 21 de outubro de 2019

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff. 

Dos estereótipos                                              

Nosso conhecimento tem como um de seus alicerces o estereótipo. No afã de conhecer, classificamos, agrupamos, estereotipamos. Quando se fala de alemão, pronto, lá vêm aquelas idéias de frieza, de competência tecnológica, de arrogância e amor pelo totalitarismo. E pensar que o Romantismo, não só como tendência estética mas também como corrente de pensamento, é produto alemão.

Essa ideia me ocorreu na semana passada quando um amigo meu voltou do Rio Grande do Sul. Ele sabe que nasci em Taquara, cidade que fica a cerca de 73 km de Porto Alegre. Meu amigo, que é uma pessoa muito gentil (não sei se é paulista, goiano ou espanhol, só sei que é gentil), resolveu fazer-me um agrado que era ao mesmo tempo uma surpresa. Chegou aqui em casa, para trocarmos impressões sobre o que ele vira em minha terra, com um pacote na mão. Um pacote na mão e um sorriso enigmático no rosto.

Depois de falarmos sobre diferenças que ele descobriu no Rio Grande, fez um longo silêncio, cravou-me os olhos, provavelmente auscultando meus sentimentos, e lascou a primeira pergunta:

− Você pode adivinhar o que tem dentro deste pacote?

Não, nunca fui muito bom de adivinhações. Foi o que eu disse para sua decepção. Fez outra pausa, provavelmente, agora, escolhendo outro flanco por onde me atacar.

− Pense bem, é uma coisa de que todo gaúcho gosta.

Pensei muito, por isso também descobri muita coisa. Mulher, churrasco, música, futebol, passeios no campo, andar a cavalo, dançar a chula (nem me lembro mais se é assim mesmo). Então olhei para o pacote na mão de meu amigo. Mulher e churrasco não caberiam ali, claro, nem futebol, cavalo ou
dança. Então me senti iluminar: música. Um aparelho minúsculo de som, uma série de CDs, qualquer coisa assim.

Ele me olhou abismado como se estivesse perante um monstro desconhecido. Pelo menos foi o que senti em seus olhos abismados.

− Qual a coisa de que mais o gaúcho gosta?

− Da vida − respondi na lata.

Sua decepção não podia aumentar, por isso ele resolveu entregar-me o pacote, pedindo para que eu o abrisse.

Era um quilo de erva mate, uma cuia e sua respectiva bomba. Consegui fazer um ar de surpresa que muito bem poderia ser confundido com um ar de alegria. Um belo presente, agradeci. E que delicadeza a sua, trazer de tão longe algo que é símbolo de meu estado. Ele ficou mais contente, e acho que até pensou que, por não ter adivinhado, minha surpresa foi ainda maior.

Tive muita sorte, pois ele não me pediu para fazer uma demonstração de como se toma chimarrão. O pacote de erva, a cuia e a bomba serão troféus na minha estante, para que jamais esqueça que todo gaúcho gosta da infusão de erva mate, sorvida por sucção através de um canudinho metálico.

Não resisto à tentação de perguntar: Todo brasileiro gosta de futebol, de carnaval? Toda brasileira mora em Ipanema e é linda, cheia de graça?

Ah, os estereótipos!

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