Esta coluna iniciada há cerca de um mês, reúne críticas literárias. As primeiras postagens conterão textos de Wagner Coriolano de Abreu, publicados originalmente no livro SEMPRE AOS PARES, lançado pela Carta Editora.
A personagem Otávio Augusto cruza pela Costa Doce do Rio Grande – trecho entre a Capital e o Chuí – movida pelo medo. Não viaja a passeio, mas em busca da fronteira, de cruzar urgentemente para o lado uruguaio, a fim de ordenar as idéias e decidir o que fazer. Ela reconhece apenas a brusca variação na sistemática rotina do seu planejado dia, após acertar a menina e o garoto que atravessam na frente do carro.
Em Contramão (Bertrand Brasil, 2007), de Henrique Schneider, Otávio Augusto perde o controle da própria vida entre dois instantes: no começo, quando atropela os estudantes numa Avenida de Porto Alegre, e na cena final, quando atravessa a rua sem olhar, em direção a uma cabana de pescadores, na Praia Punta del Diablo. Os demais incidentes, na parte que entremeia as pontas, ilustram as tentativas da personagem para retomar o domínio da Situação.
No quarto do hotel, encorajado pela força do vinho e do sexo, Otávio Augusto decide por contar à muambeira a verdadeira história. As palavras do narrador sintetizam o longo trecho da narrativa: “Contou tudo, sem esconder qualquer detalhe: como havia atropelado as crianças (não falou do olhar de morte da menina), furado a barreira policial embalado pela fumaça esgazeada do cigarro, roubado um carro e se livrado do antigo dono, as placas, o caminho todo construindo a fuga, o enguiço do Passat na imensidão do Taim, a espera pelo ônibus, o encontro com Valdete e o nascimento impensado de Jeison Pontes. Por isso estava indo ao Uruguai, afirmou: para pensar bem no que fazer”.
A terceira parte do romance abre com uma interpelação de grande efeito, proferida pelo narrador: “E agora?”. Famosa pergunta que aparece na poesia de Carlos Drummond de Andrade, no verso “E agora, José?”, do conhecido poema José. A marca de Drummond, o poeta que canta o sentimento do mundo, se faz presente na prosa de Henrique Schneider. Mais do que uma recorrência linguística, o romancista dialoga com a perspicácia do poeta. Se o poema Congresso internacional do medo (1940) inicia com (Provisoriamente) não cantaremos o amor, e se encaminha ao final com cantaremos o medo da
morte (e o medo de depois da morte), o romance também acompanha esta metamorfose.
De um dia para o outro, a rotina de Otávio Augusto rumo ao triunfo e à vida matrimonial muda, em direção ao destino cego e à possível repetição de morte. Diante do imprevisto, as noções de Administração de Empresas do executivo ambicioso começam a produzir um efeito destrutivo, tornando-o cego às belezas que o cercam na paisagem ao longo da estrada (ele a vê como área de negócios). A contramão anunciada pelo título se refere à vida da personagem. A palavra na capa, portanto, assume um sentido figurado, à medida que rompe com o convencionado sinal de trânsito. Por se tratar de narrativa Ficcional, o sentido trafega melhor quando o leitor passa a epígrafe e avança páginas adentro.
AVENTURA FUGITIVA
(Wagner Coriolano de Abreu)A personagem Otávio Augusto cruza pela Costa Doce do Rio Grande – trecho entre a Capital e o Chuí – movida pelo medo. Não viaja a passeio, mas em busca da fronteira, de cruzar urgentemente para o lado uruguaio, a fim de ordenar as idéias e decidir o que fazer. Ela reconhece apenas a brusca variação na sistemática rotina do seu planejado dia, após acertar a menina e o garoto que atravessam na frente do carro.
Em Contramão (Bertrand Brasil, 2007), de Henrique Schneider, Otávio Augusto perde o controle da própria vida entre dois instantes: no começo, quando atropela os estudantes numa Avenida de Porto Alegre, e na cena final, quando atravessa a rua sem olhar, em direção a uma cabana de pescadores, na Praia Punta del Diablo. Os demais incidentes, na parte que entremeia as pontas, ilustram as tentativas da personagem para retomar o domínio da Situação.
No quarto do hotel, encorajado pela força do vinho e do sexo, Otávio Augusto decide por contar à muambeira a verdadeira história. As palavras do narrador sintetizam o longo trecho da narrativa: “Contou tudo, sem esconder qualquer detalhe: como havia atropelado as crianças (não falou do olhar de morte da menina), furado a barreira policial embalado pela fumaça esgazeada do cigarro, roubado um carro e se livrado do antigo dono, as placas, o caminho todo construindo a fuga, o enguiço do Passat na imensidão do Taim, a espera pelo ônibus, o encontro com Valdete e o nascimento impensado de Jeison Pontes. Por isso estava indo ao Uruguai, afirmou: para pensar bem no que fazer”.
A terceira parte do romance abre com uma interpelação de grande efeito, proferida pelo narrador: “E agora?”. Famosa pergunta que aparece na poesia de Carlos Drummond de Andrade, no verso “E agora, José?”, do conhecido poema José. A marca de Drummond, o poeta que canta o sentimento do mundo, se faz presente na prosa de Henrique Schneider. Mais do que uma recorrência linguística, o romancista dialoga com a perspicácia do poeta. Se o poema Congresso internacional do medo (1940) inicia com (Provisoriamente) não cantaremos o amor, e se encaminha ao final com cantaremos o medo da
morte (e o medo de depois da morte), o romance também acompanha esta metamorfose.
De um dia para o outro, a rotina de Otávio Augusto rumo ao triunfo e à vida matrimonial muda, em direção ao destino cego e à possível repetição de morte. Diante do imprevisto, as noções de Administração de Empresas do executivo ambicioso começam a produzir um efeito destrutivo, tornando-o cego às belezas que o cercam na paisagem ao longo da estrada (ele a vê como área de negócios). A contramão anunciada pelo título se refere à vida da personagem. A palavra na capa, portanto, assume um sentido figurado, à medida que rompe com o convencionado sinal de trânsito. Por se tratar de narrativa Ficcional, o sentido trafega melhor quando o leitor passa a epígrafe e avança páginas adentro.
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