quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

CRÍTICA LITERÁRIA

MAS O AMOR SABE UM SEGREDO
(Wagner Coriolano de Abreu)

A capa do livro Olhos azuis, coração vermelho, de Jane Tutikian, mostra a imagem de duas meninas, uma maior e outra pequena, unidas por um coração vermelho. Editado pela Artes e Ofícios, 2005, em Porto Alegre, esta novela pertence à coleção Grilos e trata de dois movimentos interiores da personagem: a paixão amorosa e o convívio com a diferença. A escritora, no caderno Autores Gaúchos, do Instituto Estadual do Livro, afirma que a sua literatura para jovens surge meio por acaso. “Tinha dentro de mim uma menina, seus amigos, seu mundo, enfim, e sentei para escrever sem pensar que o resultado seria infanto-juvenil.”

Com treze anos, Julia tem a primeira cólica e passa a narrar a história daqueles dias, em companhia dos pais, do irmão mais velho e da irmã pequena. Quando recebe o abraço de seu pai, a narradora diz que “há coisas que se dizem sozinhas, eu me dei conta, mesmo sem falar nem nada”. À tarde, recebe no apartamento a visita de Adri, Suzi, Cau e Tuca, amigas e colegas de escola, que exigem saber tudo a respeito do. E para comemorar, decidem fazer a Festa do Segredo.

O enredo revela que os acontecimentos estão fora da ordem natural. Julia volta no tempo, à cena em que os pais comunicam a ela e ao irmão Cauê que teriam uma irmã. Constata que “as coisas mudaram” em casa, pois os pais passaram a dar maior atenção à criança de olhos azuis puxados, lenta nas ações, “a dona do meu pai e da minha mãe”. Um pouco sem jeito, ela confessa que não gosta da
irmã.

Na escola, Julia combina com as meninas a lista de convidados, incluindo o pessoal do terceiro ano, sabendo que a presença deles garantiria um registro no jornal da escola. Reflete sobre as paixões entre as amigas e os meninos, destacando que Tuca é a mais madura das meninas, apesar da dificuldade financeira com que dona Maria a educa. Em seguida, fala de seu sentimento por Bronco, amigo de Cauê, e do dia em que Titi contou a ele, que por sorte não ouviu. Tuca escreve um requerimento à direção da escola, pedindo o espaço para a festa.

As meninas começam a enfeitar o salão, os meninos afinam os instrumentos e repassam a música. Cauê e alguns amigos formam a banda “Os Q-não comem”. As meninas ficam perto da Banda, mas
Julia não se aproxima do grupo e de Bronco. Sua mãe passa por ali e deixa Titi para eles tomarem conta. Ao final dos preparativos, a turma toda faz uma guerra de purpurina e Titi fica cheia de brilho até na língua. A direção aprova o arranjo final.

Ela vai para casa e se enche de dúvidas. “Por que será que eu era assim, se podia ter nascido de outro jeito? E se eu fosse de outro jeito, seria outra pessoa?”. Pensa em perguntar para Titi, que assiste
de pijama rosa, com que roupa irá à festa, mas desiste. Corre para o apartamento de Suzi, no mesmo edifício, para se arrumar e colocar a maquiagem.

Na festa, as meninas começam a circular para o lado dos meninos, mas Julia fica no banco. Ela tem questionamentos de identidade e pensa com ternura em Titi e seu jeito diferente de ser. Em outro canto, e também sentado, se encontra Bronco. Quando a professora conselheira e o professor de Educação Física vão para a pista de dança, os pares se formam. Bronco tira Julia para a dança. Colam o corpo e pouco depois ele se declara para ela. Segue breve silêncio e Bronco pergunta se fez bobagem. Julia então toma coragem de revelar seu sentimento e mais adiante eles se beijam.

As meninas voltam acompanhadas da festa e vão para o apartamento de Suzi, onde juntas se reúnem no acolchoado no chão. Houve uma pequena discussão entre Suzi e Tuca, envolvidas com Cauê. Julia conta como foi a noite e conversam sobre os ideais a respeito de namoro. Cau recorda o amor de seus avôs que eram hippies, nos anos 60. Tecem especulações sobre a identidade dos pais, mas não querem outros. “Ficamos um tempão discutindo os nossos pais e, o mais engraçado é que, por mais que tenhamos posto defeito neles, e a gente botou uma montanha!, por mais que a gente quisesse que eles fossem ou fizessem coisas diferentes, nenhuma de nós queria outra mãe ou outro pai”. A narradora vê o dia clarear e se surpreende com a descoberta do amor como um novo sentido para a vida.

Pela manhã, a mãe de Suzi acorda as meninas e as convida para o almoço. Julia agradece o almoço e vai para o apartamento dos pais, que a recebem com abraço afetuoso e aprovação do namoro. Entre brabeza e vergonha, segue para o quarto, acompanhada do irmão. Conta da briga entre as meninas e diz que Tuca tinha tentado de tudo para esquecê-lo, mas não teve jeito. Cauê diz que Titi chorou
na sua ausência. Julia se questiona a respeito de Deus e dos caminhos da doença. Queria que não precisasse ser assim.

Julia recebe as meninas em casa, na mesma hora em que tira o telefone do gancho para atender Bronco. Seus sentimentos se misturam, não sabe o que dizer. “Tinha que dizer aquelas coisas que as pessoas dizem: meu bem, meu querido, meu amor? Não saberia. Não que não sentisse vontade, apenas não sabia”. A mãe pede que leve Titi ao Colégio, pois tem um chá para as crianças. Julia se
irrita e Adri toma conta de Titi, contando uma história e levando-a pela mão.

Ao chegar à escola, Julia se dá conta de que há muitas crianças com Síndrome de Down e todos eles têm a fala e o jeito da Titi. Eles apresentam alguns números de música. Ao final, as crianças descem
do palco e entregam um cartão vermelho a alguém de sua escolha. Titi entrega o seu para Julia, que se desmancha em choro. Júlia encerra a história, dizendo que “como uma ventania, tudo o que havia vivido nesta semana me mostrava, finalmente, me mostrava que estava perto de todas as pessoas que amava e, com elas, eu começava a descobrir a vida no que ela tem de recomeço”.

Na trilha de Jane Tutikian, cujo texto está recheado da mais recente canção brasileira, procurei também uma canção que aproximasse as diversas personagens por uma idéia. E a encontrei em Vinícius de Moraes e Tom Jobim, quando afirmam que o amor sabe (tem sabor de) um segredo.

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