segunda-feira, 23 de março de 2020

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff.

Solipsismo


Sempre tive fascinação pelas palavras, que eu me lembre, desde nossas brincadeiras infantis, meu irmão mais velho e eu, disputando a invenção da palavra mais feia, e isso era um modo de brincar com prefixos e sufixos sem saber que eles existiam. Numa segunda-feira pela manhã, minha palavra “pescação”, depois de uma pescaria de domingo, foi a vencedora. Nem “pescatura” me desbancou.

Mas as belas palavras como “libélula”, por sonora, ou “solipsismo” pelo aspecto mais para estranho, também me atraíam.

E por falar em solidão, essa é a ladeira em que deslizávamos sem nenhum controle, sobretudo depois dos computadores e dos celulares.

Não tínhamos mais que desgrudar a bunda da poltrona no sagrado conforto de nosso lar para encontrar os amigos, ou, pelo menos, ouvir suas vozes me alizadas pelos aparelhinhos movidos a eletricidade. As pessoas, a maioria dos jovens, principalmente, perderam o hábito, talvez a aptidão, de olhar para o rosto de um ser de sua espécie, muito menos para os olhos, que antigamente se dizia que eram o espelho da alma. Para os assim chamados viciados em produtos tecnológicos, então, um encontro físico com qualquer dos gêneros tornava-se algo perto do terror.

E eis que do outro lado do oceano nos chega a complicação. Não se trata mais de mero vício em tecnologia, agora é uma questão de sobrevivência.

Fui a São Paulo para o lançamento de meu romance Além do Rio dos Sinos, editado pela Editora Reformatório, deste bravo cavaleiro andante da literatura, o senhor Marcelo Nocelli, e eis que no dia anterior nos chega a notícia de que o local do lançamento, a Casa Tombada, acompanhando o movimento geral dos locais públicos, estará até segunda ordem fechada a qualquer evento em que se encontrem muitas pessoas.

O lançamento de um livro é sempre momento de encontros, amigos que se veem depois de muito tempo, às vezes anos, ou seja, é em geral um momento de confraternização, de alegria de simpatia humana. E nós, que já nos privávamos dos encontros com amigos e conhecidos, fomos intensificados neste solipsismo pelo coronavírus.

Prestes a arrumar as malas para retornar a casa, o Marcelo propõe a inauguração de um lançamento em moldes modernos, dos mais modernos, o lançamento virtual, e assim foi feito. Publicado o link de sua loja eletrônica, todos aqueles que até determinada hora no dia estabelecido para o lançamento, ligassem comprando o romance, receberiam o livro devidamente autografado, sem custo de transporte.

Em resumo, na medida em que a sociedade humana avança, nós ficamos mais distantes uns dos outros. O que é uma pena.

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