Solipsismo
Sempre tive fascinação pelas palavras, que eu me lembre, desde nossas brincadeiras infantis, meu irmão mais velho e eu, disputando a invenção da palavra mais feia, e isso era um modo de brincar com prefixos e sufixos sem saber que eles existiam. Numa segunda-feira pela manhã, minha palavra “pescação”, depois de uma pescaria de domingo, foi a vencedora. Nem “pescatura” me desbancou.
Mas as belas palavras como “libélula”, por sonora, ou “solipsismo” pelo aspecto mais para estranho, também me atraíam.
E por falar em solidão, essa é a ladeira em que deslizávamos sem nenhum controle, sobretudo depois dos computadores e dos celulares.
Não tínhamos mais que desgrudar a bunda da poltrona no sagrado conforto de nosso lar para encontrar os amigos, ou, pelo menos, ouvir suas vozes me alizadas pelos aparelhinhos movidos a eletricidade. As pessoas, a maioria dos jovens, principalmente, perderam o hábito, talvez a aptidão, de olhar para o rosto de um ser de sua espécie, muito menos para os olhos, que antigamente se dizia que eram o espelho da alma. Para os assim chamados viciados em produtos tecnológicos, então, um encontro físico com qualquer dos gêneros tornava-se algo perto do terror.
E eis que do outro lado do oceano nos chega a complicação. Não se trata mais de mero vício em tecnologia, agora é uma questão de sobrevivência.
Fui a São Paulo para o lançamento de meu romance Além do Rio dos Sinos, editado pela Editora Reformatório, deste bravo cavaleiro andante da literatura, o senhor Marcelo Nocelli, e eis que no dia anterior nos chega a notícia de que o local do lançamento, a Casa Tombada, acompanhando o movimento geral dos locais públicos, estará até segunda ordem fechada a qualquer evento em que se encontrem muitas pessoas.
O lançamento de um livro é sempre momento de encontros, amigos que se veem depois de muito tempo, às vezes anos, ou seja, é em geral um momento de confraternização, de alegria de simpatia humana. E nós, que já nos privávamos dos encontros com amigos e conhecidos, fomos intensificados neste solipsismo pelo coronavírus.
Prestes a arrumar as malas para retornar a casa, o Marcelo propõe a inauguração de um lançamento em moldes modernos, dos mais modernos, o lançamento virtual, e assim foi feito. Publicado o link de sua loja eletrônica, todos aqueles que até determinada hora no dia estabelecido para o lançamento, ligassem comprando o romance, receberiam o livro devidamente autografado, sem custo de transporte.
Em resumo, na medida em que a sociedade humana avança, nós ficamos mais distantes uns dos outros. O que é uma pena.
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