Esta coluna reúne críticas literárias de Wagner Coriolano de Abreu, publicados originalmente no livro SEMPRE AOS PARES, lançado pela Carta Editora.
O CORPO DE CARMÉLIA
(Wagner Coriolano)
Próximo da casa dos oitenta anos, Antonio Carlos Resende escreve
o romance da paixão de um homem branco por uma mulher negra, através do qual
convida o leitor ao tema da diversidade cultural. “Minha maior preocupação era
mesmo a questão do racismo, não tanto a das drogas nem a do amor. A história,
aliás, vem me acompanhando desde que eu era guri, em Cachoeira do Sul”, declara
o escritor, na edição 90 da Revista Aplauso.
Nomeado com a expressão A obra-prima do teu corpo, o livro escrito
e publicado em 2007 amplia as letras gaúchas com a escrita do espaço entre o
morro e a cidade, na imaginária Capital. O narrador e protagonista José
Bauermann Cardoso, maitre de restaurante e leitor que freqüenta sebos na
cidade, encontra-se com a moradora do morro, Carmélia da Silva, que trabalha no
candomblé. “Sua avó e sua mãe foram ialorixás. A mãe desencarnou por causa de
uma bala perdida numa batida feroz da Brigada, faz dez anos” (p.60). Ela também
é iniciada ialorixá, após a viagem ao Cairo.
Desde o dia em que vê Carmélia no boteco do seu Antero, no morro
Maria da Conceição, quando ela comprava pão da tarde, até o dia em que a recebe
no restaurante, acompanhada do avô, e nos posteriores encontros, José comunica
um sentimento de entrega amorosa. Entretanto, do ponto de vista do
enfrentamento que estabelece com os líderes do morro – devido à resistência
contra o narcotráfico – a personagem perde em coerência, ainda que as cenas
imaginosas de seqüestro e ameaças sejam determinantes no texto e no liame dos capítulos.
José tem requintes de poeta. Diante da beleza e elegância da
moça negra, magra e de cabelo corte zero, ele aproxima o corpo feminino da
noção de obra-prima. No curso do romance, a expressão aparece depois de outras
marcas que indicam a sua relação com as palavras: José lê livros na cama
(p.15), cita o romance O viúvo, de Oswaldo França Júnior, comprado num sebo
(p.22) e alguns contos de Rubem Fonseca (p.43). Ao final de uma cena
constrangedora, perante o traficante Jerônimo e seus aliados, declara a
Carmélia que “só a obra-prima do teu corpo para atenuar minha vergonha” (p.72).
A personagem ainda cita a leitura de Um fuzil na mão um poema no bolso, livro
do escritor congolês Emmanuel Dongala, publicado na década de 70, com edição da
Nova Fronteira.
As leituras da personagem José diretamente apontam os temas do
romancista: a representação da violência, a perspectiva pessoal de futuro e o
nome de Carmélia. Tanto o escritor brasileiro Rubem Fonseca como o africano
Emmanuel Dongala trabalham a realidade do conflito urbano contemporâneo através
da palavra ficcional. Resende esboça o futuro de José colocando-o como
postulante ao curso de Direito, bem como independente frente aos interesses da
sociedade constituída em torno do restaurante. No nome da negra de cor azulada,
o escritor aproxima a magia do poema e a expressão generosa da cultura
afrobrasileira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
http://twitter.com/Menalton_Braff
http://menalton.com.br
http://www.facebook.com/menalton.braff
http://www.facebook.com/menalton.braff.escritor
http://www.facebook.com/menalton.para.crianças