quinta-feira, 16 de abril de 2020

CRÍTICA LITERÁRIA

Esta coluna reúne críticas literárias de Wagner Coriolano de Abreu, publicados originalmente no livro SEMPRE AOS PARES, lançado pela Carta Editora.


O TEMPO E A MEMÓRIA


(Wagner Coriolano)

É preciso dar aos contemporâneos a oportunidade de conhecer as obras que marcaram a cultura ocidental como, por exemplo, a leitura de Em busca do tempo perdido, do escritor francês Marcel Proust. A caudalosa narrativa reúne sete romances que traçam o panorama da vida de Marcel, o narrador.

Com exceção do capítulo Um amor de Swann, narrado em terceira pessoa, os livros (um pouco menos de três mil páginas na tradução brasileira) expõem o ponto de vista do narrador a respeito de sua própria vida e de como a memória reteve o tempo passado e o sentimento de transformação de todas as coisas.

A leitura do romance exige tempo e muita observação. A relação entre leitura e memória é inevitável, e a ruptura com o ato de ler uniforme se torna uma exigência permanente. Daí a pergunta: como fazer uma leitura do romance e não se perder ou não reagir com tédio?

A estratégia do texto mostra que a intenção de envolver o leitor se deu pela intermitência do enredo, quando o escritor enxerta episódios significativos na grande estrutura narrativa. Segundo o tradutor 
Fernando Py, “o que importa não são os encadeamentos narrativos e episódicos e sim a análise psicológica, as conexões estabelecidas e, acima de tudo, aquela transcendental peleja do espírito criador, que luta para se afirmar e deixar a marca de sua genialidade”.

A linguagem rica em poesia, com que é apresentada a recordação da infância – cheia de detalhes que remetem à época (como certos costumes e hierarquia rígida), à cultura arquitetônica (casa com jardim, portão de ferro com ruído ferruginoso) e aos costumes (jeito de falar em casa) –, revela a trajetória da personagem pelo mundo nobre. Desse modo, entendemos a aproximação entre o passado distante da infância e um passado mais próximo do tempo em que narra, situado no mundo aristocrático da duquesa, no jantar dos Guermantes.

Marcel recorda as visitas de Swann filho a seus familiares, a recepção e a mentalidade da família de Swann quanto a seu casamento com mulher de outra posição social. “Ele já não vivia na sociedade que sua família freqüentava”, registra o narrador. Charles de Swann, homem reservado e de vida ambígua, é ingênuo a respeito da vida movimentada de Odete de Crecy com quem se casa. A diferença entre a postura do filho mundano e do velho Swann aristocrático só é possível de estabelecer quando se conhece o desenrolar dos episódios narrados no romance, onde encontramos a descrição de outras personagens que foram formadas na educação aristocrática, como a Senhora de Luxemburgo, mas que mudaram de lugar social.

O crítico alemão Wolfgang Iser afirma que a obra literária existe quando se constitui como texto na consciência do leitor, quando leitor e autor participam conjuntamente de um jogo de fantasia, para o
qual não há espaço para algo mais do que regras de jogo. De modo excepcional, Proust soube realizar uma jornada pelos caminhos entre o real e o imaginário, nos comunicando o mundo da sociedade francesa da passagem entre os séculos XIX e XX, ao mesmo tempo em que nos conduzindo através da invenção de uma infância encantada, trazida do tempo perdido.

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