segunda-feira, 4 de maio de 2020

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff. A de hoje é inédita.

E eu com isso?


Não me arrogo a competência de psicólogo, filósofo, sociólogo, qualquer um desses ramos do conhecimento humano, minha formação foi um curso de Letras e seus assuntos até hoje são aqueles em que mais gasto meu tempo. A despeito disso, sempre tive o hábito de observar o comportamento das pessoas.

Pois bem, resolvi tratar hoje, sem entrar por terrenos minados sem o mapa das minas, de fatos da minha infância. Meu relato tem tudo a ver com minha experiência pessoal. E apenas isso.

Quando criança e até adolescente, nosso senso de responsabilidade é ainda muito débil. Por isso que muitas vezes os adultos dizem “parece uma criança”. Sim, é muito mais fácil relevar atitudes juvenis que desrespeitem o bom senso, aquilo que é socialmente desejável, pois sabe-se que um caráter ainda em formação tem o direito, quer dizer, direito não, mas a propensão a cometimentos indesejáveis. Comportamentos que não se toleram em adultos, a não ser que tenham mente deformada.

Uma vez, lá pelos meus dez anos de idade, meu pai me fechou na biblioteca, puxou uma cadeira para perto de si, e relatou todas as queixas de um vizinho, que me acusava de ter quebrado com a bola uma vidraça de sua janela. Ele disse que agora teria de pagar a vidraça do vizinho, o que é que eu achava disso. A minha resposta foi “E eu com isso?”

“E eu com isso” pode ter mais de um significado. Não tenho nada a ver com este assunto, não estou envolvido com o que aconteceu, isso não é da minha responsabilidade, isso me é totalmente indiferente. E mais, que aqui não se tem o desejo de esgotar qualquer assunto que seja.

Mas pensando sobre os significados possíveis, afinal, minha profissão me exige a lide com as palavras, descobri que “E eu com isso” pode significar também “E daí?”. Minha descoberta me deixou, de um lado, muito feliz por causa da descoberta, e de outro, não sei se digo infeliz, decepcionado, raivoso, furioso esses sentimentos todos que podem coexistir quando um adulto foge da raia (eita expressãozinha antiga, pois muito pouca gente hoje em dia saberá de que raia se fala), se exime de culpa, de qualquer comprometimento com a realidade.

Fugir da raia também pode significar acovardar-se, desistir de lutar, fingir que não está vendo o que acontece, e muito mais. Felizmente o convid-19 está sendo encarado e tratado não como uma “gripezinha” qualquer, mas como uma pandemia de um vírus extremamente contagioso e letal. Nenhum brasileiro, por mais iletrado que seja, teria coragem de pensar o contrário.

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