quinta-feira, 21 de maio de 2020

CRÍTICA LITERÁRIA

Esta coluna reúne críticas literárias de Wagner Coriolano de Abreu, publicados originalmente no livro SEMPRE AOS PARES, lançado pela Carta Editora.


POETIZAR O COTIDIANO
(Wagner Coriolano)

O escritor Oneide Bobsin afirmou, no texto Religiões em romances (2002), que na boca de uma pluralidade de personagens é difícil perceber os limites entre a realidade e a ficção. E, ainda mais especificamente, sintetizou com As fronteiras entre as versões dos fatos históricos e as suas recriações literárias são tênues. Na ocasião, o Oneide estava às voltas com os romances A viagem de Théo, de Catherine Clément, O rei, o sábio e o bufão, de Shafique Keshavjee e O livro das religiões, que Jostein Gaarder assina junto com Victor Hellern e Henry Notaker.

Se não bastasse examinar as recriações literárias ou ficcionais da religião, o Oneide retorna à cena literária e empreende um exercício de proferir, pela voz da crônica, uma série de textos onde trata do cotidiano pela perspectiva luterana. Intitulou de Histórias para quem gosta de aprender (2009). Na apresentação, que antepõe às trinta e uma histórias, diz que os textos foram escritos em momentos específicos e com objetivo de problematizar assuntos concretos. Não faz menção à tênue fronteira entre o fato histórico e a versão literária.

São crônicas de fundo religioso e bíblico, assim o provam as diversas citações entremeadas nos textos, mas também aparecidas nos títulos, como em A família de Jesus, Lutero em Cuba e Bush,
Saddam e Lutero. Contudo extrapolam a leitura estritamente teológica, avançando por uma voz fundada em aporte intercultural, quando o autor retoma o acúmulo do pensamento ocidental e oriental como estratégia de leitura das coisas novas. As crônicas circularam, em primeira mão, pelo jornal da comunidade evangélica, da IECLB, e foram caprichosamente editadas pela Oikos Editora.

Em Folhas de figueiras, encontramos um excelente exemplo de crônica literária, calcada entre o fato e a ficção. Como homem que trabalha a teologia, Oneide Bobsin se revela aqui um cuidadoso leitor, visto que é impossível separar a teologia do gosto pelos livros. O ponto de partida da crônica é o livro Auto-engano (1999), do filósofo Eduardo Giannetti da Fonseca. Tocado pela frase mentimos para nós mesmos o tempo todo e nos vemos bem melhor do que somos, Oneide recupera uma pequena história do auto-engano através dos tempos, nos levando ao Paraíso, com a famosa folha que velou o corpo da mulher.

Sob o ponto de vista literário, ao entrelaçar o relato bíblico de Adão e Eva com o registro jornalístico de acidente no Aeroporto de Congonhas, o autor destaca que neles o homem incorre em produzir
mentiras para esconder os próprios erros. A camuflagem daquela folha bíblica permanece sendo o nosso expediente por meio de outras folhas. A fronteira, portanto, começa a ser colocada quando percebemos a poetização (ou politização) deste título Folhas de figueiras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

http://twitter.com/Menalton_Braff
http://menalton.com.br
http://www.facebook.com/menalton.braff
http://www.facebook.com/menalton.braff.escritor
http://www.facebook.com/menalton.para.crianças