quinta-feira, 4 de junho de 2020

CRÍTICA LITERÁRIA

Esta coluna reúne críticas literárias de Wagner Coriolano de Abreu, publicados originalmente no livro SEMPRE AOS PARES, lançado pela Carta Editora.

TODOS SE VÃO

(Wagner Coriolano)

Santiago, Guantânamo, Camagüey, Cienfuegos, Cárdenas, Havana e Pinar del Rio são sete nomes de uma Ilha que não se encerra na capital. Cuba nos chega de todos os lados através da música, do cinema e da literatura, nas artes, assim como do atletismo e da medicina. Em Todos se van (2006), de Wendy Guerra, parte da narrativa se passa fora da cidade de Havana, em Cienfuegos e arredores, embora na tradução a ênfase recaia sobre a capital cubana. A edição brasileira da Editora Âmbar, de Minas Gerais, altera o título para Diários de Havana (2007).

O romance se divide em três partes: o prólogo, o diário de infância e o diário de adolescência. A escritora aproveita páginas dos Diários de Nieve Guerra na construção da estrutura da obra, que acompanha a passagem do tempo na vida da narradora. Um fragmento de Anna Frank antecipa, com palavras preliminares, as palavras e registros de Nieve: “Poderíamos fechar os olhos perante toda esta miséria, porém pensamos naqueles que nos são queridos, e para os quais tememos o pior, sem poder socorrê-los” (Diário 19 nov. 1942). Nieve escreve para reunir os pedaços de vida em território pessoal.

O diário de infância anuncia o período entre 1978 e 1980, quando morava em Cienfuegos, ora com a mãe e Fausto, ora com o pai, por ordem judicial, sofrendo com a falta de comida e maus tratos. “Cienfuegos, a cidade de minha infância, me intimida: o expediente de minha mãe, os dias de julgamento por obter minha custódia, meu próprio expediente” (p.10). A página do diário – com dia da semana, mês e ano – funciona como capítulo do romance. Nieve fala da relação com os pais, da escola, das amigas e do próprio fazer poético e das leituras que realiza, “mi madre me trajo varios libros” (p.67). O tema da saída de cubanos da Ilha e das cidades do interior, em direção à capital, já aparece neste primeiro diário, quando registra que Elena se vai para Havana com seus pais.

O diário de adolescência, cujas páginas abrangem o período de 1986 a 1990, inicia com palavras do escritor cubano Eliseo Diego, onde o poeta fala da passagem dos anos do adolescente como andar sobre brasas. Nieve se torna mais consistente, sua prosa enriquece de elementos geopolíticos e literários, ainda que fortemente carregada de sentimentos e densidade existencial. “Não quero ser hippie como minha mãe, não quero Paz e Amor. Quero ser eu. Nenhum estado de ebriedade me parece necessário. Tenho quinze anos” (p.142). Algumas páginas do diário perdem a marcação de mês e ano e recebem um pequeno título. Em La casa de Osvaldo, El cuarto de Osvaldo e El deseo y el dolor, o leitor encontra uma fina expressão feminina da intimidade no encontro dos corpos.

Mais ao final do romance, a narradora insere a expressão “todos se van” pela primeira vez no texto: “Quase não há gente conhecida na cidade. Todos se vão. Me deixam só” (p.242). Neste momento, as diversas situações de despedida, de fuga, de pessoas e de meios de expressão que estiveram proibidas assumem um sentido maior do que a crítica ao regime.

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