quarta-feira, 3 de junho de 2020

CANTIGAS DE AMIGOS

...........PALAVRA
PARTO
O R
E T V
M ARREPIO
A N
DENTRO
O

(Nic Cardeal)

Tem dias que sinto um poema empurrando a porta
não dou atenção, nem ligo, mas ele, silencioso e sozinho, insiste
aos poucos, quiçá um milímetro por hora ou dia, a porta vai cedendo lugar
ao vento
sim, ao vento
um vento gelado que antecede o poema
- todo poema tem um porta-voz bem indecente:
ventania cortante, que faz arrepiar os pelos, a pele, o jeito de olhar as
coisas, os homens, as borboletas, os precipícios –
às vezes esse arrepio é tão danado que sacode até a alma!
é então que o milagre (ou desgraça) acontece:
a porta escancara bruscamente!
a palavra toma gosto
é enxurrada que desce goela abaixo
- garganta, nó, saliva, engasgo, sufoco –
vem a ânsia e o poema vence:
faz usucapião bem no esquerdo do peito
(invasão de poema exige da gente um certo respeito:

é preciso coragem – e estômago – para devolver ao mundo o arrepio dos
pelos, da pele, das coisas, dos homens, das borboletas,
até mesmo de precipícios)
a porta – finalmente aberta – agradece
o coração, em êxtase, conseguiu enxergar a estranha
paisagem do mundo de dentro!
(Nic Cardeal)

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