quinta-feira, 25 de junho de 2020

CRÍTICA LITERÁRIA


Maria Carpi: temos de merecer a democracia


Escritora defende a vigilância constante do povo, para que o vírus da ignorância não nos impeça de alcançar a “poesia do bem comum”

Por Maria Carpi*

Sou poeta e defensora pública antes de escrever um livro ou fazer um concurso. Com ambas as atividades, exerço a minha cidadania. De refletir e participar. Nesse sentido, considero o poeta Castro Alves um defensor público, pela sua luta pela abolição da escravatura, uma das mais vergonhosas páginas de nossa história.

Toda organização civil necessita da regulamentação das leis. A lei dá rumo certo à ação humana. Certa vez fiquei tomada de sadio espanto quando meu paraninfo do curso de Direito da UFRGS, professor Ruy Cirne Lima, provou com exemplos eruditos que as melhores leis se avizinhavam à poesia. Pois bem, a poesia ilumina e também dá rumo à vida. A poesia inclusive tem o poder de tirar a cultura do limbo.

Leis são leis e devem ser substituídas pelos legisladores e promulgadas por quem exerce o poder em nome do povo quando caducarem. É uma das mais altas delegações.

Tinha razão o sábio e culto professor, pois a cidade do Bem Comum será o nosso melhor poema. E, como partícipe do ingresso do pobre à Justiça, pela Defensoria Pública, sempre defendi e aspirei que as políticas públicas por sua vez dessem ao pobre o aceso à saúde, à moradia, ao estudo e ao trabalho com dignidade. Há sinais inaudíveis quando as leis aplicadas são uma obstrução da Justiça. Quando as leis perdem sua legitimidade. Esse é o critério: leis legítimas e leis ilegítimas em confronto com os direitos e deveres de um povo.

Vezes há, como na escolha de uma cirurgia, que se torna necessária, pela gravidade da situação, uma revolução. Mas a verdadeira revolução é sem armas, não tem baixas nem feridos. Ocorre na  comunhão de consciências, através da ética comunitária, com participação coletiva, em plena liberdade, com escolha madura da democracia. E se aprimora ao longo dos anos e de experiências. Nada é estático. Tudo caminha a seu aprimoramento. E todos são chamados a contribuir.

Os ditadores também apelaram por leis. São as leis de exceção e as marciais. Ilegítimas no seu nascimento. Quando pensam ter encarcerado a liberdade (vão propósito), encarceram a si mesmos. E a verdade não se veste com o engodo de suas mentiras e demagogias.

Temos de merecer a democracia através do exercício da cidadania. Temos de merecer sermos livres com responsabilidades individual e coletiva. Lembro Paul Ricoeur quando afirma que um homem justo é o que aspira viver numa sociedade justa. Sejamos uma sociedade justa, vencendo a tendência de usufruir benesses ou interesses grupais.

Sim, temos de merecer a democracia através do exercício da cidadania, com a prática dos nossos deveres para com ela. Será um ato continuo que vai além da escolha consciente pelo voto, tantas vezes aleatória, mas de vigilância do que ainda teremos de fazer para sermos uma nação. Temos de merecer sermos livres com responsabilidades individual e coletiva. Lembro Paul Ricoeur quando afirma que um homem justo é o que aspira viver numa sociedade justa. Sejamos uma sociedade justa, vencendo a tendência de usufruir benesses ou interesses grupais. Um poema – principalmente do Bem Comum – só surge da necessidade da poesia em não calar.

O poder emana do povo, como as águas de um rio emanam da fonte. Ninguém pode negociar com o poder, usufruindo privilégios, sem cair na mais vergonhosa tirania ou basófia. Ou delírio. Ninguém pode afirmar: eu sou a lei. Ou fazer da Constituição uma cadeira cativa. A letra da Constituição é um sopro de liberdade. Somos leais servidores, com honra, da Carta Magna. A história está repleta de malogros. Pior do que o vírus das doenças é o vírus da ignorância.

E, pior do que a ignorância do mal, é a virulenta participação no engodo. Hannah Arendt que o diga. Fiquemos atentos e irmanados a que não se repita “a banalidade do mal”.

*Defensora pública aposentada, poeta, autora de “O que Resta Está por Vir” (AGE, 2020)

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