segunda-feira, 13 de julho de 2020

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff.Algumas são inéditas e outras foram publicadas anteriormente em seu site, ou em revistas. A escolhida para hoje é inédita.

E agora, José?


As cidades nasceram sob o signo da insegurança. As feras atacavam impunemente este serzinho desprotegido, sem presas nem unhas que prestassem, que era o homem.

Nasceram e logo depois foram muradas. Claro, não contente com os ataques ferozes, isto é, das feras, o homem inventou os ataques ferozes, isto é, do homem. As feras queriam fazer dos homens seu repasto (não é preciso escamar nem depenar) e alguns homens a todo custo queriam tomar posse do que outros homens tinham. O remédio foi mesmo criar os muros.

Então veio o fim da Idade Média e os modos de ganhar o pão-nosso-de-cada-dia foram-se transformando. Depois do artesanato veio a manufatura. Depois da manufatura veio a indústria, e na era da sociedade industrial tudo foi racionalizado. As poucas e pequenas cidades começaram a inchar porque uma das leis do processo de industrialização era a concentração. Os custos caíam quando homens-produtores, máquinas, matérias-primas, homens-consumidores se aglomeravam.

Em nome dos baixos custos, ou seja, da maximização dos lucros (o economês é assim mesmo), criaram-se os grandes edifícios, as megalópolis cercadas de seus bairros populares, de suas fábricas e favelas.

Os problemas apareceram como subproduto da acelerada e tumultuada urbanização. Subproduto indesejável e de solução às vezes quase impossível. Onde arranjar escola para tanto bacuri, dizia o alcaide coçando a cabeça de ralos cabelos. E onde jogar tanto dejeto? Bem, alguns jogavam-se no rio, ou no mar, ou sabe-se lá onde. As cidades não davam conta de criar tantas veias pelas quais deveria circular nosso almoço de ontem antes de desaparecer. Os rios e os mares, então, arcaram com o sacrifício: foram poluídos. A saúde, ora a saúde, e muito bom tecnocrata raciocinava como verdadeiro Malthus. Mas nem todos eram malthusianos e o prefeito arrancava os fios restantes de cabelo.

Ora, em nome do lucro se tinha criado uma solução e um problema. Em nome do lucro criou-se também um outro tipo de sociedade: a sociedade de consumo. Sem consumo não há lucro. Então toca consumir, porque esse verbo passou a ser fundamental para a vida das cidades. No meu tempo de criança, íamos à padaria com uma garrafa de boca mais larga, conhecida como a garrafa do leite. Esta garrafa, depois de bem lavada voltava à sua nobre função, e isto por um, dois anos. Com sorte, ela durava uma geração toda. Hoje o leite nos chega num saquinho plástico que, depois de usado, vai fazer parte do lixo urbano. São milhares e milhões de casas em que se consomem mercadorias e se produz lixo.

Nós, os que não somos malthusianos, estamos escandalizados. A Cetesb fez um levantamento e chegou à triste conclusão de que 50,4% das cidades paulistas jogam seu lixo em lixões a céu aberto, sem tratamento de resíduos, como deveria ser. Destes novos inimigos, quase sempre invisíveis, não há muro que nos defenda.

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