Entre 2014 e 2016, Menalton Braff produziu uma série de artigos sobre Literatura a pedido do jornal Celulose Online. Este ano, decidimos voltar a postar esses textos e hoje trazemos para vocês o de número 7. Caso tenha interesse em ler antes os artigos anteriores, clique nos links a seguir:
Literatura: o que é isso? (1) / Literatura: o que é isso? (2)/
Literatura: o que é isso? (3)/ Literatura: o que é isso? (4)
Literatura: o que é isso? (5/ Literatura: o que é isso? (6)
Literatura: o que é isso? (7)
Num romance, em que a extensão tanto do discurso quanto da efabulação, isto é, os fatos que encadeados darão um sentido lógico ao que se conta, deve haver alternância e equilíbrio entre dois modos, que na teoria da literatura são chamados de telling e showing (termos introduzidos na teoria pelo new criticism anglo-americano), que nada mais são do que contar e mostrar. Dificilmente um romance pode ser construído em um dos modos de maneira exclusiva. A cena (showing) como único modo, torna a narrativa cansativa e sem muita atração, pois é difícil que o narrador introduza nela digressões, reflexões, avaliações do que ocorre, elementos fundamentais em um bom texto narrativo.
Esses dois modos tem como resultado no texto o que se pode
chamar de panorama (contar) e cena (mostrar).
Para exemplificar (uma cena):
O major ficou na janela que dava para o quintal. O tecido do
céu se tinha adelgaçado: o azul estava sedoso e fino; e tudo tranquilo, sereno
e calmo.
A Estefânia, a doutora, a de olhos maliciosos e quentes,
passou, tendo ao lado Lalá, que levava, de quando em quando, o lenço aos olhos
já secos, a quem aquela dizia:
− Eu, se fosse você, não comprava lá… É caro! Vai ao Bonheur
des Dames… Dizem que tem coisas boas e é pechincheiro.
O major voltou de novo a contemplar o céu que cobria o
quintal.
(Lima Barreto, Triste fim de Policarpo Quaresma)
(um panorama – resumo narrativo)
Os dois se despediram do presidente e desceram vagarosamente
as escadas do Itamarati. Até à rua nada disseram um ao outro. Quaresma vinha um
pouco frio. O dia estava claro e quente; o movimento da cidade parecia não ter
sofrido algteração apreciável. Havia a mesma agitação de bondes, carros e
carroças; mas nas fisionomias um terror, um espanto, alguma coisa de tremendo
ameaçava todos e parecia estar suspensa no ar.
(Do mesmo romance)
Observe-se, neste segundo fragmento, que o narrador apenas
diz que se despediram, mas o que disseram, quais seus gestos, nada disso nos é
revelado, o que aconteceria em uma cena. A cena inclui detalhes e geralmente
usa o discurso direto, que na literatura tradicional é sempre marcado por
travessão.
No conto, dada sua exiguidade de fatos, personagens e
extensão do texto, deve, segundo os clássicos do gênero, predominar a cena.
Isso não quer dizer que o panorama não exista, mas contar um conto, em geral,
tira-lhe a tensão dramática, uma de suas características.
Exemplo de cena:
Abre a bolsa e espreita o espelhinho quebrado, que reflete a
boca reluzente de carmim primeiro, depois o nariz chumbeava, depois os fiapos
de sobrancelha, por último as bolas de metal branco na ponta das orelhas
descobertas.
− Olha o automóvel do outro dia.
− O caixa-d’óculos?
− Com uma bruta luva vermelha.
O caixa-d’óculos para o Buick de propósito na esquina da
praça.
(Carmela. Novelas paulistanas. António de Alcântara
Machado).
Observe-se, finalmente, a pobreza de detalhes no panorama,
diferentemente da cena.
A literatura contemporânea vai anulando os limites propostos
pelos clássicos, mas isso nem sempre dá bons resultados.
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