O conto abaixo faz parte da coletânea O peso da gravata ainda inédita.
Os óculos
Entrou na cozinha com pernas atrasadas de tanta pressa e o suor
alagando-lhe a testa, onde sentiu a explosão. Sua cabeça fez menção de voltar
sozinha e sem óculos. Dedos trêmulos tatearam seu rosto à procura de sangue,
mas assim no escuro era impossível distinguir a vida do esforço, tudo líquido e
viscoso, uma coisa só. Então seus dedos nervosos descobriram a ausência dos
óculos.
A porta aberta do armário? A porta
aberta do armário. Que mais poderia estar com a altura de sua testa no caminho
entre a porta da cozinha e a chave, além da porta do armário?
De lábios abertos e dentes cerrados, aspirava um ar com ruído fricativo
para expressar a dor que vinha chegando. A mão esquerda, apalpando o ar vazio,
obstinada, procurava obstáculos. Com a testa doendo, qualquer objeto era
obstáculo, porque estava noite.