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sexta-feira, 5 de setembro de 2014

UM CONTO PARA SEU FIM DE SEMANA

O conto a seguir faz parte do livro "O peso da gravata e outros contos", ainda inédito.

O violinista


A porta do clube era um clarão de festa sobre o escuro da noite garoenta, quando atravessei a rua muito perpendicular e apressado, pisando por cima de sua umidade. Mal atingi a calçada, o lado de lá, me dei conta de uma certa inflexão familiar naquele som que escapava pelas aberturas do saguão. Não pela melodia, uma ária plangente e bela, executada com bastante freqüência por muitos violinistas. Não. O que me parecia familiar era a execução. Eu conhecia apenas um violinista capaz de arrancar tais soluços das notas mais graves de seu instrumento, que se alternavam com gritos agudos e lancinantes. Em suas mãos, o instrumento tinha alma.
Só então me lembrei de que há mais de seis meses, desde a crise da Orquestra Sinfônica, não tinha tido notícias do Antenor Braga, seu jovem spala. Várias vezes fui visitá-lo no camarim e o encontrava sempre estudando como se fosse aquela sua primeira apresentação. Em minhas críticas no Diário, não me cansava de elogiar o talento que o jovem aliava a um estudo muito sério. Não sei se me culpo a mim ou à vida que levo pelo esquecimento, mas a verdade é que durante este tempo todo muito poucas vezes pensei no meu amigo.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

UM CONTO PARA SEU FIM DE SEMANA

O conto abaixo faz parte da coletânea O peso da gravata ainda inédita.

Os óculos

    Entrou na cozinha com pernas atrasadas de tanta pressa e o suor alagando-lhe a testa, onde sentiu a explosão. Sua cabeça fez menção de voltar sozinha e sem óculos. Dedos trêmulos tatearam seu rosto à procura de sangue, mas assim no escuro era impossível distinguir a vida do esforço, tudo líquido e viscoso, uma coisa só. Então seus dedos nervosos descobriram a ausência dos óculos.

A porta aberta do armário?  A porta aberta do armário. Que mais poderia estar com a altura de sua testa no caminho entre a porta da cozinha e a chave, além da porta do armário?

De lábios abertos e dentes cerrados, aspirava um ar com ruído fricativo para expressar a dor que vinha chegando. A mão esquerda, apalpando o ar vazio, obstinada, procurava obstáculos. Com a testa doendo, qualquer objeto era obstáculo, porque estava noite.