Tapete de silêncio, de Menalton Braff, pela Global Editora
“As beatas ajudam o padre a distribuir quotas de inferno.” As palavras, não ditas, também formam aquele “tapete de silêncio” sob o qual repousam o que é sabido, mas proibido, a bem da convivência.
O padre, síndico da palavra de Deus: açoite contra pecadores. Também o depositário das palavras dos homens, colhidas sob a condição de segredo. O padre é o que tudo sabe. Sua proximidade dos que tudo podem, quase natural. Nas mãos de poucos, que tudo sabem, tudo podem e tudo julgam – valendo os seus próprios valores, o vilarejo faz juz ao nome: Pouso do Sossego.
Quando chega o circo, a cidade se agita. Enfim algo para se admirar, cenas para tirar o fôlego. Mas, cuidado, também traz gente diferente, aventureira, quem sabe? E aí, a arte irrita a vida. Com efeito, Teodoro Malabar acaba seduzindo Lúcia, jovem filha do “coronel” local (Doutor Madeira). Honra posta a nocaute. E não se pode! Que será de Pouso do Sossego se qualquer um vai chegando e comendo logo a filha do cabeça do lugar? Há que se dar um jeito, que os homens bons se juntem e ajeitem de novo as coisas.
E lá vão eles, ao longo dos capítulos, numa trama bem urdida por Menalton Braff: primeiro Osório e Leôncio, depois mais oito, sob a chuva noturna: que contas vão acertar? De que maneira? Contra quem? A mando de quem? Lá está a gente que faz a cidade: comerciante, barbeiro, farmacêutico, pedreiro etc. Gente miúda, mas com interesses bem estabelecidos, sob o manto do fazendeiro, maior interessado de todos, não só em limpar a honra afrontada, mas também no status quo do vilarejo. Coração na boca, nervos à flor da pele: pelo quê?
Para os rapazes há solução (apesar da tímida oposição do padre Ramiro): a zona, o lupanar. Mas “E essa Lúcia, hein?” E a Sueli, filha do Doutor Murilo? Ah, essas meninas, altivez excessiva, hormônios à flor da pele… Não cabem na cidade. E ainda vão dar o que falar, e fazer… Podem tirar tudo fora dos eixos. Sonhos pondo o sossego a perder; gente que não quer repouso. Que fazer contra essas asas? Suprimir o vento para que se tornem inúteis? “A distância de centros mais desenvolvidos é que matava.” Literalmente, saber-se-á ao final.
O coro das pequenas cidades (o desenrolar dos acontecimentos, toda gente), vozes miúdas que se amparam para se tornarem audíveis; e os solos de personagens (capítulos), precariamente eretos e ativos, destacando-se do coro, apenas para confirmá-lo, reforçá-lo. Coro e solistas entremeados, enlaçados, imbricados, num experimento literário denso, mas leve pela habilidade no manejo da forma. Menalton Braff tratando do local (as milhares de pseudocidades brasileiras com seus “coronéis”, seus “compadres” e o resto da gente, esta amargando vida de gado, em pasto sovina) e atingindo o universal: essa louca ânsia de liberdade e potência, o poder de usar as asas, batendo-se contra o ar rarefeito da mediocridade quotidiana e as pedras atiradas pelos estilingues dos interesseiros e hipócritas sempre a postos, dispostos a tudo, até mesmo à eliminação dos portadores de ameaças a seus mesquinhos interesses.
(Lugarejos, igrejas matrizes, coros, coretos e praças centrais, suas missas e só dois destinos – para cima ou para baixo [durante e depois da vida] versus infinitas avenidas e esquinas, de arquitetura variada e imprevisível, mutante, ar poluído-respirável, Babel, Belzebu, belprazer?)
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