terça-feira, 9 de abril de 2013

LEITURA DO MÊS

Me desculpem os amigos que me visitam nestas páginas, porque encomendei o livro no dia 01/04 e até hoje não chegou. Enquanto espero, vou postando o que encontro na internet, principalmente no Google. Sem considerações pessoais, claro.

Molloy (Beckett, Samuel)

Molloy e Moran, dois personagens, duas histórias distintas em seus respectivos capítulos, personagens aparentemente diferentes mas que se confundem ao ponto de nos interrogarmos se não serão ambas apenas uma única personagem.

Molloy acorda no quarto que era da sua mãe, assim começa o primeiro capítulo. Numa sucessão de devaneios mentais e situações pessoais extremamente caricatas, roçando o ridiculo e o hilariante, mas perfeitamente consistentes na psicologia conturbada de Molly, este descreve num diário-monólogo uma série de situações devidamente encadeadas que sucedem na sua vida, uma sucessão de acontecimentos inverosímeis, que, por mais que o leitor tente encontrar nesses uma explicação racional, não o consegue, e acaba por se deixar envolver e até partilhar muitos dos pensamentos de Molloy, se bem que as suas acções não tenham, muitas vezes, qualquer sentido, até para ele próprio.
Molloy não se consegue explicar porque ele próprio nunca se encontra.

Molloy relata-se e apenas transmite uma insensibilidade que seria desencanto se nos permitisse pensar que já houvera encanto. Não parece que tenha havido - a vida em Molloy é árida e absurdamente descrita: por que insiste e investe Molloy no que nunca é nomeado e na sua indiferença?
Molloy só existe, nada mais. Não está ali para nos contar nada - fá-lo. Não lhe sentimos qualquer drive, como à maioria dos personagens ou autores que nos levam por uma história ou por um relato adentro ou fora. Molloy pergunta-se, nós perguntamo-nos mas faz-nos sentir que não vai esperar pelo esboço de uma resposta.
O grande paradoxo é este: quem consegue perguntar está vivo e quem está vivo e pergunta pára para chegar a uma resposta ou para apreciar o que formula. Molloy não pára: não a tenta nem se tenta. Não espera nada de si e muito menos do leitor.
Tudo é descrito porque existe ou porque tudo é apercebido; mas isso não faz de nada algo de suficientemente importante para uma última oportunidade.
Molloy parece vazio mas suspeitamos que pode facilmente não o ser. Interrompe-nos no nosso desejo de encontrar - uma resposta, qualquer satisfação à angústia de perguntar.
Molloy abjura a cartilha do personagem à procura de um leitor, da ideia à procura de quem a pense.
Quando o suportamos melhor e finalmente deixamos de esperar alguma coisa, na sua solidão irremediável somos Molloy e ganhamos o direito de ir sendo.
Com Moran inicia-se um novo capítulo, em que o elo de ligação com o primeiro é o facto de ter sido entregue a Moran o trabalho de entrar em contacto com Molloy, embora sem conhecer o objectivo concreto desse contacto. Aparentando ser uma pessoa normal, ao contrário de Molloy, a pouco e pouco essa imagem vai-se desvanecendo, e a viagem de Molloy em busca de sua mãe (no primeiro capítulo, dedicado a Molloy), confunde-se com a viagem de Moran em busca de Molloy, por todos os traços comuns de pensamentos sem sentido e devaneios mentais que ambos têm, já sem falar nas acções absurdas que ambos cometem.
Chegará Moran a encontrar Molloy ?
Procuramos Molloy por todo o livro e nunca o encontramos. Mas como poderemos encontrar alguém quando nos recusamos a perguntar-lhe quem somos?
Assim, poder-se-ia dizer que, como síntese da filosofia de Beckett em Molloy, este mostra-nos a existência sem sentido da nossa vida - o solitário e contraditório esplendor da existência humana - mas fá-lo num registo mais cómico do que trágico, que acaba por suavizar a abordagem desta temática ou até de suplantar a sua premissa inicial, pela abordagem literária que tem no seu romance.
Ainda, nota-se um esforço premeditado de Beckett em esvaziar o romance dos seus padrões habituais, confundindo por completo o leitor - enredo, situações, personagens - e ainda assim mantém o leitor interessado e motivado.





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