sábado, 8 de março de 2014

CANTIGAS DE MULHERES

Reunimos, a seguir, os poemas de mulheres já publicados neste blog.   

Cinzas ­ - Lilia Ripoll
Cliques – Márcia Marques
FadigaMara Senna
Não!  - Eliane Ratier
Negros girassóis – Maria Olina
Nua e crua – Flora Figueiredo
Uma tristezaRuth do Carmo
Sensualismo – Rita Mourão


Cinzas ­ - Lilia Ripoll

Cingida por sete palmas,
descerei à terra, um dia.
Violetas roxas no peito,
fronte branca e alma fria.

Cabelos longos caídos
e arrastados pelo vento.
Em todo o corpo um espanto
e um lúcido entendimento.

Teu claro nome sonoro
entre os lábios, apertado.
Luas negras nos meus olhos.
E um segredo inconfessado.


Funestos ventos soprando,
em giros de contradanças,
do mar correrão os homens
e das ruas as crianças.

Estrelas, aves e nuvens
fugirão sem esperanças.
E o meu corpo diluído,
destruído,
derrotado,
manchará o céu de cinzas -
das minhas desesperanças!

Cliques – Márcia Marques

qualquer dia
saio
a fotografar

as velhinhas de chapéu,
as de cabelo esculpido
todas num elegante vestir

os pedintes
mendigos
camelôs

os músicos,
muitos,
nas quinas
subterrâneas
do metrô

o velhinho do violino
e a amada,
a cuidar da partitura,
sempre ao lado sentada

o homem do acordeón
com seus tangos
frenéticos
pondo alguns a bailar

os equipamentos
os mesmos, para qualquer ritmo,
caixinha de som,
carregada na malinha
de rodas

Fotografar
as pessoas
e suas malas
de rodinhas

as meninas de
shorts, minis
e meias pretas,
para enfrentar o frio

listinha pronta,
quem sabe,
um dia...

FadigaMara Senna

As palavras úmidas
regurgitam
lúbricas,
cálidas,
urgentes.
Reclamando ouvidos,
revelando segredos,
serpenteiam em formas
túrgidas,
loucas,
lascivas.
Esgotam-se em salivas.
E, por fim,
fatigadas,
roucas,
passivas,
vêm repousar
no suor,
no sêmen,
no sono
e
no silêncio.

Não!  - Eliane Ratier

Não!
Não vou morrer antes que o outono venha.
Não sem antes sorver as frutas de madurosas pencas
colecionar poentes de cores várias
impossível escolha em inigualáveis paletas.
Não!
Não vou morrer sem descansar o espírito.
Sem dizer um verso que permaneça vivo
como uma carícia
sopro sussurro ao pé do ouvido.
Não!
Não vou morrer sem dizer do amor
que não pode ser dito
da dor que não deve ser vista
das lágrimas de travesseiro
dos segredos que guarda o espelho.
Não!
Não vou morrer antes do tempo.

Negros girassóis – Maria Olina

Despiram-na
das vestes imortais
talhadas e retalhadas
sob a luz do luar
Lábios
degustam o cítrico a forjar
Tinta em tinteiro
a sumir sem teu eco poetizar
Difamam-te em pedregulhos
Usam-te na indelicadeza dos tatos
Agregam-te em bandeira
Doce amargo de noites febris
Em negros girassóis
a encobrir 

Nua e crua – Flora Figueiredo

Não sou gente grande o tempo todo:
tenho medo do escuro,
de sombras que se esgueiram por detrás dos muros,
do bicho amoitado no jardim.
Meu barco de papel desce na enxurrada,
lambuzo os dedos com marmelada,
às andorinhas revelo meus segredos.
Coleciono joaninhas na caixa de sapato.
A tarde cai, finda o primeiro ato.

Na cena seguinte e obrigatória,
sou adulto frente ao noticiário.
O comentário é triste,
a visão é turva, o som é rouco.
O locutor insiste.
Frágil me curvo, e morro mais um pouco.

Sensualismo – Rita Mourão

O quintal da minha infância era enorme.
Tinha exatamente o tamanho dos meus sonhos.
Ali vivi meu paraíso cheio de anjos com cabeças de pássaro.                                                                        

Numa conversação íntima, insetos e animais se amavam
encarapitados nos ganchos das árvores, descontraídos,
sem banalizar o amor.

Para completar o erótico cenário, uma pedra gemia de prazer
com o toque da brisa alisando o corpo dela.

Um lagarto em cima da pedra
esticava o papo amarelo, lambia o corpo do sol e gozava.
Eu e minhas curiosidades infantis, inebriadas por tanta      
sensualidade,
também gozávamos desse amor sem subterfúgios,
sem corrupção, sem degradação sexual.

E o mundo animal, serenamente, ia perpetuando a vida
enquanto no brejinho, bem no fundo do quintal,
os sapos batiam palmas agudas  aplaudindo a natureza                                 
em orgasmo.

Uma tristezaRuth do Carmo

Tenho uma tristeza:
saber que esta voz infantil
virará outra
e outra
e outra
até não mais estar aqui.

Tenho uma tristeza:...
este encanto nos olhos
que temos agora...
E se nos faltar?
E se nos faltarmos?

Tenho tristezas:
pai que não está,
mãe que pode faltar,
solidão se o futuro a trouxer.
Perspectivas cruas de perdas.
A dor do outro,
a nossa,
o fundo de nós:
fratura exposta.

Tenho uma alegria
e a carrego assim,
flor miúda
por entre os dias.
Sem batismo,
sem sobrenome.

E mutuamente nos carregamos.

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