Cinzas -
Lilia Ripoll
Fadiga
– Mara Senna
Não! - Eliane Ratier
Negros
girassóis – Maria Olina
Nua e crua –
Flora Figueiredo
Uma tristeza
– Ruth do Carmo
Sensualismo –
Rita Mourão
Cinzas -
Lilia Ripoll
Cingida por sete palmas,
descerei à terra, um dia.
Violetas roxas no peito,
fronte branca e alma fria.
Cabelos longos caídos
e arrastados pelo vento.
Em todo o corpo um espanto
e um lúcido entendimento.
Teu claro nome sonoro
entre os lábios, apertado.
Luas negras nos meus olhos.
E um segredo inconfessado.
Funestos ventos soprando,
em giros de contradanças,
do mar correrão os homens
e das ruas as crianças.
Estrelas, aves e nuvens
fugirão sem esperanças.
E o meu corpo diluído,
destruído,
derrotado,
manchará o céu de cinzas -
das minhas desesperanças!
Cliques – Márcia
Marques
qualquer dia
saio
a fotografar
as velhinhas de chapéu,
as de cabelo esculpido
todas num elegante vestir
os pedintes
mendigos
camelôs
os músicos,
muitos,
nas quinas
subterrâneas
do metrô
o velhinho do violino
e a amada,
a cuidar da partitura,
sempre ao lado sentada
o homem do acordeón
com seus tangos
frenéticos
pondo alguns a bailar
os equipamentos
os mesmos, para qualquer ritmo,
caixinha de som,
carregada na malinha
de rodas
Fotografar
as pessoas
e suas malas
de rodinhas
as meninas de
shorts, minis
e meias pretas,
para enfrentar o frio
listinha pronta,
quem sabe,
um dia...
Fadiga
– Mara Senna
As palavras úmidas
regurgitam
lúbricas,
cálidas,
urgentes.
Reclamando ouvidos,
revelando segredos,
serpenteiam em formas
túrgidas,
loucas,
lascivas.
Esgotam-se em salivas.
E, por fim,
fatigadas,
roucas,
passivas,
vêm repousar
no suor,
no sêmen,
no sono
e
no silêncio.
Não! - Eliane Ratier
Não!
Não vou morrer antes que o outono venha.
Não sem antes sorver as frutas de madurosas pencas
colecionar poentes de cores várias
impossível escolha em inigualáveis paletas.
Não!
Não vou morrer sem descansar o espírito.
Sem dizer um verso que permaneça vivo
como uma carícia
sopro sussurro ao pé do ouvido.
Não!
Não vou morrer sem dizer do amor
que não pode ser dito
da dor que não deve ser vista
das lágrimas de travesseiro
dos segredos que guarda o espelho.
Não!
Não vou morrer antes do tempo.
Negros
girassóis – Maria Olina
Despiram-na
das vestes imortais
talhadas e retalhadas
sob a luz do luar
Lábios
degustam o cítrico a forjar
Tinta em tinteiro
a sumir sem teu eco poetizar
Difamam-te em pedregulhos
Usam-te na indelicadeza dos tatos
Agregam-te em bandeira
Doce amargo de noites febris
Em negros girassóis
a encobrir
Nua e crua –
Flora Figueiredo
Não sou gente grande o tempo todo:
tenho medo do escuro,
de sombras que se esgueiram por detrás dos muros,
do bicho amoitado no jardim.
Meu barco de papel desce na enxurrada,
lambuzo os dedos com marmelada,
às andorinhas revelo meus segredos.
Coleciono joaninhas na caixa de sapato.
A tarde cai, finda o primeiro ato.
Na cena seguinte e obrigatória,
sou adulto frente ao noticiário.
O comentário é triste,
a visão é turva, o som é rouco.
O locutor insiste.
Frágil me curvo, e morro mais um pouco.
Sensualismo –
Rita Mourão
O quintal da minha infância era enorme.
Tinha exatamente o tamanho dos meus sonhos.
Ali vivi meu paraíso cheio de anjos com cabeças de
pássaro.
Numa conversação íntima, insetos e animais se amavam
encarapitados nos ganchos das árvores, descontraídos,
sem banalizar o amor.
Para completar o erótico cenário, uma pedra gemia de prazer
com o toque da brisa alisando o corpo dela.
Um lagarto em cima da pedra
esticava o papo amarelo, lambia o corpo do sol e gozava.
Eu e minhas curiosidades infantis, inebriadas por tanta
sensualidade,
também gozávamos desse amor sem subterfúgios,
sem corrupção, sem degradação sexual.
E o mundo animal, serenamente, ia perpetuando a vida
enquanto no brejinho, bem no fundo do quintal,
os sapos batiam palmas agudas aplaudindo a natureza
em orgasmo.
Uma tristeza
– Ruth do Carmo
Tenho uma tristeza:
saber que esta voz infantil
virará outra
e outra
e outra
até não mais estar aqui.
Tenho uma tristeza:...
este encanto nos olhos
que temos agora...
E se nos faltar?
E se nos faltarmos?
Tenho tristezas:
pai que não está,
mãe que pode faltar,
solidão se o futuro a trouxer.
Perspectivas cruas de perdas.
A dor do outro,
a nossa,
o fundo de nós:
fratura exposta.
Tenho uma alegria
e a carrego assim,
flor miúda
por entre os dias.
Sem batismo,
sem sobrenome.
E mutuamente nos carregamos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
http://twitter.com/Menalton_Braff
http://menalton.com.br
http://www.facebook.com/menalton.braff
http://www.facebook.com/menalton.braff.escritor
http://www.facebook.com/menalton.para.crianças