A partir de agora, exceção a dezembro, depois de cada encontro alguém vai resenhar o livro lido, texto que será publicado aqui.
O livro escolhido para a leitura de novembro foi o Violeta velha e outras flores, do Matheus Arcaro, um dos integrantes do grupo. E a mim coube a tarefa de produzir a primeira resenha. Como já havia redigido o prefácio para o livro, resolvi publicá-lo à guisa de resenha.
O
momento certo
Não pela idade, senão
pela experiência intelectual, Matheus Arcaro lança este seu primeiro livro com
maturidade inusitada, isto é, um autor que nasce maduro, seguro daquilo que
quer como experiência literária. Seus contos são de uma intensidade surpreendente.
E intensidade, aqui, não como palavra oca, de mero efeito retórico, mas como
expressão das mais extraordinárias experiências de vida de suas personagens,
todas elas densas, habitando o fio de seus limites.
Violeta
velha e outras flores, entre suas virtudes, conta com a
modernidade de seus contos sobretudo no que diz respeito ao emprego da
linguagem, sua preocupação constante com a incorporação de recursos poéticos no
discurso com que são construídos os contos. Ritmo, sonoridade e figuras de
retórica de grande poder sugestivo são elementos constantes na caracterização
do autor. E isso sem embarcar no comboio das facilidades em que o coloquial é
eleito como a única modalidade linguística da literatura.
Sem necessidade de uma
busca exaustiva ao longo destes contos, podemos encontrar construções como “As
paredes, com as intimidades à mostra...”, exemplo de prosopopeia, uma das
figuras com que o Matheus dá vida aos seres que povoam o ambiente de suas
personagens.
As figuras de sabor
sinestésico também corroboram para esta tendência quase simbolista de homogeneizar
pelos sentidos os objetos de uma realidade circunstante, mas de essência
impenetrável. “Ruído imundo”, “tempos desbotados”, “perfume marrom do café”,
eis alguns exemplos aleatoriamente encontrados.
No capítulo das figuras
sonoras, encontram-se belas e surpreendentes construções como as que seguem:
“...disseminando os instintos e dissipando os instantes...”, “O assombro, feito
a sombra de uma nuvem no descampado, foi engolindo o enternecimento no rosto da
jovem recém-contratada.” (São dez ocorrências de som nasal em uma única frase),
“Helena permanecia calada, colada à lateral do carro...” As aliterações e assonâncias
estão presentes em praticamente todos os contos do livro.
A variedade de técnicas
narrativas demonstra o cuidado com que o autor encarou problemas teóricos
relevantes, característica de quem considera com muita seriedade a função de
escritor. A escolha, por exemplo, da focalização (quem conta, de onde conta e
como se envolve com a matéria contada) é de uma riqueza raramente encontrada em
quem se esteja iniciando na arte de contar. O emprego do narrador em terceira
pessoa, principalmente do tipo demiúrgico, contos em que o protagonista se faz
narrador, consciente de seu fazer, passagens consideráveis de fluxo de
consciência, o emprego frequente de discurso indireto-livre, tudo isso tem, por
fora da narrativa, a mão segura de um autor com o conhecimento de suas
ferramentas.
Outro aspecto a
destacar neste livro é o diálogo estabelecido com textos clássicos, numa
releitura que às vezes atualiza algumas questões, outras vezes aborda o assunto
em tom mais humorístico, talvez irônico. Em “A fúria do som”, por exemplo, é
evidente o paralelo com “O som e a fúria”. Benjamim, o menino de um metro e
oitenta, é tomado de empréstimo a William Faulkner, para participar de um conto
comovente. O uso do fluxo de consciência, nesse texto, é uma escolha exemplar
do conteúdo que procura sua forma, e claro, terminando em um feliz encontro.
“Está tudo escrito” tem “A divina comédia” como referência, em um texto
irônico-humorístico delicioso. Ressalte-se a possível classificação deste conto
como realismo mágico (ou fantástico) e, consequentemente, o emprego de uma
linguagem mais solta, sem tantos recursos de retórica, e isso por uma questão
lógica: o conteúdo já é uma macrometáfora, como sói acontecer com textos da
mesma classificação.
Há momentos de reflexão
filosófica, como em “Condenado à liberdade”, sem cair, contudo, no filosofismo desconectado
da narrativa. Assim como neste, em muitos outros contos o autor percorre os
caminhos em que busca a compreensão da existência, o sentido do estar no mundo.
É o pensamento carregado de poesia, da qual não se afasta.
Este é um livro para
ser lido vagarosamente, porque o prazer da leitura não pode ter pressa.
O Matheus Arcaro nasce
adulto.
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