terça-feira, 2 de dezembro de 2014

GRUPO DE LEITURA D. QUIXOTE

Eis o Grupo de Leitura D. Quixote. Todos os meses lemos um livro e no último domingo do mês nos reunimos para discutir as impressões que cada um teve do livro. O grupo é formado por pessoas oriundas de várias áreas, o que enriquece a leitura.

A partir de agora, exceção a dezembro, depois de cada encontro alguém vai resenhar o livro lido, texto que será publicado aqui.

O livro escolhido para a leitura de novembro foi o Violeta velha e outras flores, do Matheus Arcaro, um dos integrantes do grupo. E a mim coube a tarefa de produzir a primeira resenha. Como já havia redigido o prefácio para o livro, resolvi publicá-lo à guisa de resenha.

O momento certo


Não pela idade, senão pela experiência intelectual, Matheus Arcaro lança este seu primeiro livro com maturidade inusitada, isto é, um autor que nasce maduro, seguro daquilo que quer como experiência literária. Seus contos são de uma intensidade surpreendente. E intensidade, aqui, não como palavra oca, de mero efeito retórico, mas como expressão das mais extraordinárias experiências de vida de suas personagens, todas elas densas, habitando o fio de seus limites.
Violeta velha e outras flores, entre suas virtudes, conta com a modernidade de seus contos sobretudo no que diz respeito ao emprego da linguagem, sua preocupação constante com a incorporação de recursos poéticos no discurso com que são construídos os contos. Ritmo, sonoridade e figuras de retórica de grande poder sugestivo são elementos constantes na caracterização do autor. E isso sem embarcar no comboio das facilidades em que o coloquial é eleito como a única modalidade linguística da literatura.
Sem necessidade de uma busca exaustiva ao longo destes contos, podemos encontrar construções como “As paredes, com as intimidades à mostra...”, exemplo de prosopopeia, uma das figuras com que o Matheus dá vida aos seres que povoam o ambiente de suas personagens.
As figuras de sabor sinestésico também corroboram para esta tendência quase simbolista de homogeneizar pelos sentidos os objetos de uma realidade circunstante, mas de essência impenetrável. “Ruído imundo”, “tempos desbotados”, “perfume marrom do café”, eis alguns exemplos aleatoriamente encontrados.
No capítulo das figuras sonoras, encontram-se belas e surpreendentes construções como as que seguem: “...disseminando os instintos e dissipando os instantes...”, “O assombro, feito a sombra de uma nuvem no descampado, foi engolindo o enternecimento no rosto da jovem recém-contratada.” (São dez ocorrências de som nasal em uma única frase), “Helena permanecia calada, colada à lateral do carro...” As aliterações e assonâncias estão presentes em praticamente todos os contos do livro. 
A variedade de técnicas narrativas demonstra o cuidado com que o autor encarou problemas teóricos relevantes, característica de quem considera com muita seriedade a função de escritor. A escolha, por exemplo, da focalização (quem conta, de onde conta e como se envolve com a matéria contada) é de uma riqueza raramente encontrada em quem se esteja iniciando na arte de contar. O emprego do narrador em terceira pessoa, principalmente do tipo demiúrgico, contos em que o protagonista se faz narrador, consciente de seu fazer, passagens consideráveis de fluxo de consciência, o emprego frequente de discurso indireto-livre, tudo isso tem, por fora da narrativa, a mão segura de um autor com o conhecimento de suas ferramentas.
Outro aspecto a destacar neste livro é o diálogo estabelecido com textos clássicos, numa releitura que às vezes atualiza algumas questões, outras vezes aborda o assunto em tom mais humorístico, talvez irônico. Em “A fúria do som”, por exemplo, é evidente o paralelo com “O som e a fúria”. Benjamim, o menino de um metro e oitenta, é tomado de empréstimo a William Faulkner, para participar de um conto comovente. O uso do fluxo de consciência, nesse texto, é uma escolha exemplar do conteúdo que procura sua forma, e claro, terminando em um feliz encontro. “Está tudo escrito” tem “A divina comédia” como referência, em um texto irônico-humorístico delicioso. Ressalte-se a possível classificação deste conto como realismo mágico (ou fantástico) e, consequentemente, o emprego de uma linguagem mais solta, sem tantos recursos de retórica, e isso por uma questão lógica: o conteúdo já é uma macrometáfora, como sói acontecer com textos da mesma classificação.
Há momentos de reflexão filosófica, como em “Condenado à liberdade”, sem cair, contudo, no filosofismo desconectado da narrativa. Assim como neste, em muitos outros contos o autor percorre os caminhos em que busca a compreensão da existência, o sentido do estar no mundo. É o pensamento carregado de poesia, da qual não se afasta.  
Este é um livro para ser lido vagarosamente, porque o prazer da leitura não pode ter pressa.      

O Matheus Arcaro nasce adulto. 

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