Os poemas que seguem são do poeta e tradutor Cláudio Willer, a maior autoridade em Breton de nosso meio.
A PALAVRA
vocês não entenderam nada, vocês não sabem nada
poesia não é querer escrever bem
poesia é o que eu ainda irei relatar em prosa
poesia é o que ainda pretendo escrever
para depois
reler e dar risadas, imaginando o espanto de quem vier a ler o que escrevi
poesia é velocidade
do disparo de
revólver verdadeiro, da janela, no automóvel que ia passando por aquele alvo
escolhido ao acaso,
poesia é som,
o áspero ruído
do gume de diamante sendo testado por dois especialistas em arrombamento na
vitrina daquela loja de armas a 80 m. de distância de uma delegacia (eu
esperava no carro) (se houvesse cedido, levávamos tudo)
poesia é luz
daquelas
janelas abrindo-se todas ao mesmo tempo, todo mundo acordando para ver que espécie
de confusão era essa, o que aquele bando de malucos fazia na rua àquela hora
poesia é noite
a outra noite,
aquela (no HC, minha pressão caiu, e depois ainda tive que dar a notícia aos
amigos)
poesia é dizer
é ela dizer:
“como você me revoluciona por dentro”
poesia é escrever
com um cuidado
enorme, pesando cada palavra, para não me declarar réu confesso
poesia é névoa
de fumaça
enchendo o quarto, todo mundo a dar risadas sem conseguir parar
poesia é porrada
algo bem
melhor do que briga de scholars, aqueles da outra universidade contra
esses desta,
poesia grossa (cacete rombudo, que tal esta imagem?)
poesia é isso, é isto, também é aquilo, é agora
poesia é o que sempre soubemos
o conhecimento animal
um núcleo
raivoso anterior à Queda
- Gnose
estou falando de filosofia, de essência,
uma exploração do desconhecido pelo corpo, através do corpo,
o Marquês de Sade nem precisava daquele teatro todo
o que sei é onde penetrei,
-
o telefonema que me traz lembranças de trinta anos atrás, de ontem, de agora,
seu som a vibrar neste ar parado de noite antes de mais uma tempestade -
nada me interromperá
sempre usei uma linguagem direta,
Prometeu,
Fausto
não quero falar, quero ser dito
sejamos densamente humanos
como a chuva
no ar saturado de excesso
parto ao encontro do
núcleo selvagem de qualquer coisa
diamante ou lágrima perdida no fundo do bosque
ex-deusa
assim me despeço
mas eu a reencontrarei
lunar
resta saber o sonho, parábola da vida
VISÃO DE NOVA YORK
O
grande cavalo de lágrimas azuis desce do Oeste, lento como a névoa dos trigais.
São hotéis de granito e espuma plástica em ruas que outrora foram violentadas,
em manhãs mais suaves que a brisa dos grandes portos. Todos os túneis, todas as
cavernas se encontram em um desfiladeiro de torreões metralhados. Todos os
trilhos convergem para um só ponto, todos os subways apontam para uma só
direção, e na vegetação dos grandes parques cresce o arbusto andrógino cujas
raízes são de metal e seda. Os retângulos magnéticos geraram uma cidade onde
cavalos à solta pisoteiam os gerânios dos patamares e a combustão espontânea
anima os corpos dos amantes nas tardes de verão. Sementes germinarão
violentamente em Blecker Street, pois um pântano noturno sacode os alicerces
dos grandes prédios embebidos em aguarrás. Gritos gelados soam em um corredor
de pálpebras estreitas, e no parque onde pastam as lhamas emergem montes de
cristal, despertando a última sentinela de uma paisagem de antenas partidas e
ventiladores retorcidos.
NY, 07/1963
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