sábado, 28 de novembro de 2015

RESENHA DA SEMANA

Desespero e beleza em “A coleira no pescoço”, o novo livro de Menalton Braff

Vanessa Maranha*

Para o semiólogo francês Roland Barthes, o grau zero da escrita é uma modalidade isenta de quaisquer obrigações para com a elaboração da linguagem, como, por exemplo, no texto jornalístico.
Seria o desvencilhamento da linguagem literária, o afastamento da linguagem viva e dos mitos nela inscritos, a perda voluntária de qualquer recurso à elegância, a cessão a um estilo da ausência, como aquele inaugurado por Albert Camus, persistente em alguns autores contemporâneos brasileiros.
Antitético, Barthes diz que nada pode ser mais infiel à literatura do que essa “escrita branca”. “Se a escrita for realmente neutra, se a linguagem, em lugar de ser um ato embaraçoso e indomável, chegar ao estado de uma equação pura, não tendo mais espessura do que uma álgebra em face do vazio do homem, então a literatura está vencida, a problemática humana está encoberta e entregue sem cor”, escreve Barthes. Em Menalton Braff é clara a sua recusa aos modismos literários, a negativa ao cruísmo e à violência dominantes, impõe-se sua habilidade em trabalhar a palavra na maleabilidade da língua. Braff não despreza a tradição clássica da literatura em razão da escrita vanguardista. Tampouco se mantém encalacrado num estilo refratário ao novo. Ao contrário, bebe de suas fontes e sintetiza seu próprio tom, refletindo as “categorias eternas do espírito”, ainda dentro da visão barthesiana. “Em qualquer forma literária, há a escolha de um tom, de um etos, e é aí que o escritor se individualiza claramente, porque é aí que ele se engaja”, afirma Barthes.


Subvertendo a sintaxe, Braff concebe construções espantosamente sofisticadas como “Um pouco de frio já quando o vento em sua roupa úmida: o frio pelo lado de dentro”, abrindo o conto “O outro lado da rua”, que compõe o livro A coleira no pescoço, lançado em março pela Editora Bertrand Brasil.
Escritor respeitado pelos francanos, o gaúcho Menalton Braff, que vive na vizinha Serrana (SP), recebeu, em 2000, a láurea mais importante da literatura nacional, o Prêmio Jabuti de Livro do Ano pelos contos de À sombra do cipreste (Editora Palavra Mágica).

A coleira no pescoço, seu décimo livro publicado, vem consolidar um conjunto de características que confere à sua obra, como um todo, sua marca fundamental (a escolha do tom, de que nos fala Barthes): o desespero.

Seus personagens, como disse o crítico Paulo Bentancur, somos todos nós, em situações-limite, às vezes apenas sugeridas, no tensionamento do leitor por um movimento especular. Em suas metáforas, a poesia e as sínteses filosóficas mais delicadas, as perguntas mais perplexas.

O conto que dá título ao livro palmilha a simbiose entre um idoso e seu cão, igualmente velho. É uma narrativa tocante sobre seres enredados uns aos outros. Os flertes do autor com o universo fantástico aparecem em textos como “Alice e o violoncelo”. A música ali existindo como escudo ou espada numa coreografia psicológica que põe em relevo a questão dos gêneros.

No conto “Aquele primeiro dia, quase noite” toda a técnica do escritor maduro jogando o leitor num labirinto de dúvidas. Em “A cerca”, Joaquim Boaventura poderia ser também o “Pai” de “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa, em intertextualidade, tamanho o desalento.

Menalton Braff resignifica o prazer da leitura pela estética, pelas frases luminosas, sim, e traduz, pela escritura, os sentidos. Retomemos, portanto, Roland Barthes: “O que toda a minha vida me apaixonou foi o modo como os homens tornam o mundo inteligível... a escritura cria um sentido que as palavras não possuem de início”.

* Resenha escrita originalmente para o jornal Comércio. 


*Vanessa Maranha: talento reconhecido na Literatura

Vanessa Maranha nasceu em São Caetano do Sul em 1972, vive em Franca, é jornalista e psicóloga. Este ano foi indicada como uma das finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura 2015, com seu livro Contagem regressiva (Selo Off Flip), ao lado de grandes nomes como Chico Buarque e Míriam Leitão.

Vanessa participou de três antologias locais de contos, publicou o livro “Cadernos Vermelhos“ (Fragmentos, 2003) e, em 2005, teve um texto publicado no livro “+30 mulheres que fazem a nova literatura brasileira“, organizado por Luiz Ruffato e editado pela Record.

Em julho de 2004, venceu concurso de contos da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), em Minas Gerais . Em 2001, foi finalista no Prêmio Guimarães Rosa, da Rádio France.

2 comentários:

  1. Menalton, não se faz vulgar por expressões duvidosas e de baixo teor, nem se faz pedante por rebuscadas frases de intelectualidade de almanaque, se faz notavel por seu estilo. Adriano Roberto

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  2. São palavras que me comovem, Adriano.

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