
Vanessa Maranha*
Para o semiólogo francês Roland Barthes, o grau zero da escrita é uma modalidade isenta de quaisquer obrigações para com a elaboração da linguagem, como, por exemplo, no texto jornalístico.
Seria o desvencilhamento da linguagem literária, o afastamento da linguagem viva e dos mitos nela inscritos, a perda voluntária de qualquer recurso à elegância, a cessão a um estilo da ausência, como aquele inaugurado por Albert Camus, persistente em alguns autores contemporâneos brasileiros.
Antitético, Barthes diz que nada pode ser mais infiel à literatura do que essa “escrita branca”. “Se a escrita for realmente neutra, se a linguagem, em lugar de ser um ato embaraçoso e indomável, chegar ao estado de uma equação pura, não tendo mais espessura do que uma álgebra em face do vazio do homem, então a literatura está vencida, a problemática humana está encoberta e entregue sem cor”, escreve Barthes. Em Menalton Braff é clara a sua recusa aos modismos literários, a negativa ao cruísmo e à violência dominantes, impõe-se sua habilidade em trabalhar a palavra na maleabilidade da língua. Braff não despreza a tradição clássica da literatura em razão da escrita vanguardista. Tampouco se mantém encalacrado num estilo refratário ao novo. Ao contrário, bebe de suas fontes e sintetiza seu próprio tom, refletindo as “categorias eternas do espírito”, ainda dentro da visão barthesiana. “Em qualquer forma literária, há a escolha de um tom, de um etos, e é aí que o escritor se individualiza claramente, porque é aí que ele se engaja”, afirma Barthes.
Subvertendo a sintaxe, Braff concebe construções espantosamente sofisticadas como “Um pouco de frio já quando o vento em sua roupa úmida: o frio pelo lado de dentro”, abrindo o conto “O outro lado da rua”, que compõe o livro A coleira no pescoço, lançado em março pela Editora Bertrand Brasil.
Escritor respeitado pelos francanos, o gaúcho Menalton Braff, que vive na vizinha Serrana (SP), recebeu, em 2000, a láurea mais importante da literatura nacional, o Prêmio Jabuti de Livro do Ano pelos contos de À sombra do cipreste (Editora Palavra Mágica).
A coleira no pescoço, seu décimo livro publicado, vem consolidar um conjunto de características que confere à sua obra, como um todo, sua marca fundamental (a escolha do tom, de que nos fala Barthes): o desespero.
Seus personagens, como disse o crítico Paulo Bentancur, somos todos nós, em situações-limite, às vezes apenas sugeridas, no tensionamento do leitor por um movimento especular. Em suas metáforas, a poesia e as sínteses filosóficas mais delicadas, as perguntas mais perplexas.
O conto que dá título ao livro palmilha a simbiose entre um idoso e seu cão, igualmente velho. É uma narrativa tocante sobre seres enredados uns aos outros. Os flertes do autor com o universo fantástico aparecem em textos como “Alice e o violoncelo”. A música ali existindo como escudo ou espada numa coreografia psicológica que põe em relevo a questão dos gêneros.
No conto “Aquele primeiro dia, quase noite” toda a técnica do escritor maduro jogando o leitor num labirinto de dúvidas. Em “A cerca”, Joaquim Boaventura poderia ser também o “Pai” de “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa, em intertextualidade, tamanho o desalento.
Menalton Braff resignifica o prazer da leitura pela estética, pelas frases luminosas, sim, e traduz, pela escritura, os sentidos. Retomemos, portanto, Roland Barthes: “O que toda a minha vida me apaixonou foi o modo como os homens tornam o mundo inteligível... a escritura cria um sentido que as palavras não possuem de início”.
* Resenha escrita originalmente para o jornal Comércio.
*Vanessa Maranha: talento reconhecido na Literatura

Vanessa participou de três antologias locais de contos, publicou o livro “Cadernos Vermelhos“ (Fragmentos, 2003) e, em 2005, teve um texto publicado no livro “+30 mulheres que fazem a nova literatura brasileira“, organizado por Luiz Ruffato e editado pela Record.
Em julho de 2004, venceu concurso de contos da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), em Minas Gerais . Em 2001, foi finalista no Prêmio Guimarães Rosa, da Rádio France.
Menalton, não se faz vulgar por expressões duvidosas e de baixo teor, nem se faz pedante por rebuscadas frases de intelectualidade de almanaque, se faz notavel por seu estilo. Adriano Roberto
ResponderExcluirSão palavras que me comovem, Adriano.
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