sábado, 30 de dezembro de 2017

RESENHA

Para fechar o ano com chave de ouro, postamos neste 30 de dezembro uma resenha de Menalton Braff sobre o livro "Cartas a Cassandra", de  Ely Vieitez Lisboa, editado pela Funpec.

Manifesto às mulheres
Menalton Braff
  
            O mote inicial do romance “Toda mulher é Cassandra...” cria uma ambigüidade que vai funcionar como elemento condutor da narrativa, da primeira à última páginas. Cassandra, ao mesmo tempo em que é o futuro, é veneno; é a sabedoria da vida, mas não escapa à traição e ao sofrimento. Profetizou o terrível fim de Agamenão, que não lhe deu ouvidos, e compartilhou com ele o final trágico.
            Ely Vieitez Lisboa, que em seus contos já anunciava este vezo da cultura clássica, da recorrência aos grandes mitos da humanidade, inaugura-se em romance com o mesmo viés cultural. Sua tarefa, em Cartas a Cassandra, é penetrar fundo na alma feminina, desvendar-lhe os mais abscônditos escaninhos, e o faz de forma segura, amparada, que está, naquilo que durante milênios a humanidade acumulou como conhecimento da mulher.
            Em Cartas a Cassandra, o leitor não vai encontrar um romance de estrutura tradicional, em que uma célula dramática central e circundada por células dramáticas secundárias imbricadas entre si. Sua estrutura é mais de ruptura do que de tradição. As cartas, endereçadas a uma destinatária virtual,
sucedem-se como peças autônomas, sem que a anterior seja a causação da posterior. As cartas se complementam em seu conjunto, no feixe, sem a linearidade que resulta num antes e num depois.
Tempo das descobertas, Época da maturidade e Era da sabedoria são as três partes em que se estrutura o romance, cada uma delas abrangendo uma fase da vida da mulher. As partes estruturais, assim, não dizem respeito à narrativa (Apresentação, Conflito, Clímax e Epílogo). Elas concernem à própria personagem emissora, àquela que protagoniza ou testemunha todas as histórias. Isso é, são as três principais fases da própria vida.
Em Tempo das descobertas, a infância, a descoberta do sexo é feita de forma brutal, com as meninas por pouco escapando a ciladas masculinas.  Há cartas de dois tipos: algumas com reflexões sobre a condição feminina e outras com relatos de fatos, pequenas histórias que dão sustentação concreta às cogitações abstratas.
Época da maturidade é fogo que consome. Não há disfarces moralizantes para o desejo sexual, como sói acontecer na literatura de outros tempos. O sexo/amor abrasa, tira o sono, endoidece tirânico. Ele é vórtice para onde fogem seres em sua animalidade humanizada. Ele é vertigem que impedimentos morais não conseguem amenizar. Maturidade física com os sentidos reclamando seus direitos. Maturidade mental ainda muito próxima de um vulcão.
Finalmente a Era da sabedoria. O corpo apaziguado ainda não emudeceu, mas já não se entrega à voragem dos sentidos. Não é à toa que Argos é o nome do cachorrinho presenteado por Heleno. Heleno era irmão de Cassandra e simboliza o amor fraterno, a amizade. O amor espiritualiza-se. Argos, na Odisséia, era o cão de Ulisses, que, muito velho, morre de alegria ao reencontrar o amo depois de uma ausência de vinte anos.
Cartas a Cassandra é um trabalho de garimpagem de jóias recônditas da alma humana, de esquadrinhagem da natureza feminina.
No plano do discurso, encontra-se a linguagem clássica e elegante da Ely, mas sobretudo uma linguagem sóbria, como convém a uma literatura que não se entrega a modismos fáceis, porém efêmeros.

Título: Cartas a Cassandra – romance epistolar
Autora: Ely Vieitez Lisboa

Editora: Funpec Editora

2 comentários:

  1. Tem um sabor único ler romance dev escritor@s que arriscam no gênero. Obrigado 😀

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  2. Tem um sabor único ler romance dev escritor@s que arriscam no gênero. Obrigado

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