terça-feira, 10 de abril de 2018

ORELHA

Esta coluna reúne apresentações de livros escritas por Menalton Braff.

Paixão desmedida

Em plena vigência do mais desbragado tecnocentrismo, quando parece que apenas a vertigem dos bits e da velocidade consegue nos fascinar, a poesia ainda pode cair sobre nossas cabeças como o maná que emana do céu, humanizando este minúsculo ser que, tantas vezes demonstrando vocação para máquina, por baixo da pele ainda urra de tristeza ou de alegria.. Foi com esta sensação que li os originais de "Paixão desmedida".

Há na poesia da Ely, neste seu novo livro como já havia nos anteriores, um sensualismo visceral, quase telúrico, que tanto comparece nos poemas da paixão sem medidas quanto nos poemas da Europa revisitada. O apelo, em alguns momentos, sobe das entranhas mais profundas com o sabor das sentenças bíblicas, com a força quase selvagem da carne-viva. Não há como fugir, depois de sua leitura; não há como esquecer nossa humana condição.

O amor, tema da primeira parte do livro, é dual: vida e morte, deus e o diabo, "doce fruto de fatal veneno", porque "Não te falei que perdera/ todos os segredos dos cofres/do sentimento?" Prazer e sofrimento, entrega e rejeição. Neste terreno ambíguo é que brota
poderosamente a poesia da autora. E brota com a força e a naturalidade das ervas que enxada ou veneno algum são capazes bastante para extirpar.

A segunda parte do livro, "Eu (ropa) revisitada", com este sub-título intrigante, é um conjunto de poemas que, muito mais do que a descrição de lugares da Europa por onde passou a autora, é o périplo poético de seus olhos, que se voltam ao mesmo tempo para dentro e para fora. Começa com um poema em homenagem a Florbela Espanca, alma irmã, "ar de rainha serena", a quem o livro é dedicado.

O amor é a ponte entre as duas partes do livro. No terceiro poema da II parte, confessadamente suscitada por uma viagem, a autora declara:

Tu confundes minha geografia.

Antes eu tinha pátria
cheia de sol, beleza, contrastes.
Hoje, tu és o meu país
onde finquei raízes
quero desabrochar flores
embriagar-te de perfume...
(....)
Longe de teus olhos
afastada de teus braços

em qualquer terra
em todo país
eu me sinto, sofridamente,
melancólica, com banzo, dépaysée.

Ora paisagens carregadas de marcas humanas, ora personagens de todos os tempos, a poesia atravessa a península Ibérica, penetra fundo na França e irrompe na Inglaterra. Por onde anda, a autora busca descobrir o sentido das coisas, busca a si mesma: "Muda-se de país/Troca-se a geografia/E os fantasmas nos acompanham."

Pode haver coisa mais fascinante do que o ser humano cantado em versos da
mais fina ourivesaria?

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