sexta-feira, 8 de junho de 2018

CONTOS CORRENTES

O sofá amarelo



Na casa do meu avô tinha uma sala de visitas. Era a sala mais bonita da casa, mas quase não se usava. Os amigos “íntimos” preferiam ficar na copa ou na varanda dos fundos. Os “de cerimônia”, na sala de estar. As outras crianças viviam no quintal. Conto tudo isso pra provar por A mais B que a sala bonita acabou sendo só minha.

Eu sempre ia pra lá pensando em estudar. Mas aí me distraía olhando os móveis ou desenhando espirais e margaridas no caderno. Um dia eu estava imaginando como “a minha sala” ficaria se passasse por uma reforma. Era tudo bonito como estava, mas eu tenho essa mania de sempre querer mudar.

Para começar pintaria as paredes de branco porque nunca gostei de amarelo. Depois, trocaria o lustre de cristal por uma lanterninha de ferro, tipo lampião, que vendia no mercado. O enorme sofá amarelo e suas poltronas gordas seriam substituídos por um móvel moderno, com colchão coberto de lona verde, pra que eu pudesse dormir ali quando estudasse até tarde. Almofadas bem macias serviriam de encosto e gavetas na lateral esconderiam meus livros e papéis.

Foi quando cheguei nesse ponto que a história realmente começou. Senti meu corpo vibrando de fora pra dentro. Como se tivesse andando num jipe velho, por uma estrada de piçarra. Pensei logo que podia ser um terremoto. Nunca tinha visto um, mas a descrição que eu li não estava longe daquilo.

Antes que eu descobrisse sua razão, a tremedeira estancou! Ouvi um ‘bom dia’. A voz era grossa, firme e ao mesmo tempo terna. Preferi pensar que fosse alguém na varanda da frente ou no jardim. Mas desde o começo eu já sabia que ela saía do sofá. Ali mesmo onde eu estava sentada.

Admitir aquilo era me render à loucura, mas aparentemente, pelo menos, eu não tinha escolha. Olhei pra ele com o coração na boca e fui logo fazendo um questionário policial. Quem era, o que estava fazendo ali, o que queria de mim.

Ele não respondeu, e ainda me deu uma ordem que eu, pasmem, obedeci de imediato. – Lá no quartinho dos fundos tem um monte de tábuas. Vá lá, pegue a menorzinha e traga pra mim.

De fato havia muita madeira onde ele indicou. Eu levei a tábua pequena até ele, e logo ouvi uma nova ordem. E depois mais outra e outra e outra.  Ele me contou onde tinha, lixa, tinta, furadeira e corda.

Quando me dei conta, tinha feito um balanço para pendurar na mangueira. Nessa etapa, tive que contar com a ajuda dos adultos. Valeu a pena. O balanço deu vida ao quintal. Depois disso, nunca mais ouvi a voz do sofá. Para falar a verdade, nunca mais voltei na sala de visitas.






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