O sofá amarelo
Na casa do meu avô tinha uma sala de visitas. Era a sala mais bonita da
casa, mas quase não se usava. Os amigos “íntimos” preferiam ficar na copa ou na
varanda dos fundos. Os “de cerimônia”, na sala de estar. As outras crianças viviam
no quintal. Conto tudo isso pra provar por A mais B que a sala bonita acabou
sendo só minha.
Eu sempre ia pra lá pensando em estudar. Mas aí me distraía olhando os móveis ou
desenhando espirais e margaridas no caderno. Um dia eu estava imaginando como
“a minha sala” ficaria se passasse por uma reforma. Era tudo bonito como
estava, mas eu tenho essa mania de sempre querer mudar.
Para começar pintaria as paredes de branco porque nunca gostei de
amarelo. Depois, trocaria o lustre de cristal por uma lanterninha de ferro,
tipo lampião, que vendia no mercado. O enorme sofá amarelo e suas poltronas gordas
seriam substituídos por um móvel moderno, com colchão coberto de lona verde, pra
que eu pudesse dormir ali quando estudasse até tarde. Almofadas bem macias
serviriam de encosto e gavetas na lateral esconderiam meus livros e papéis.
Foi quando cheguei nesse ponto que a história realmente começou. Senti
meu corpo vibrando de fora pra dentro. Como se tivesse andando num jipe velho,
por uma estrada de piçarra. Pensei logo que podia ser um terremoto. Nunca tinha
visto um, mas a descrição que eu li não estava longe daquilo.
Antes que eu descobrisse sua razão, a tremedeira estancou! Ouvi um ‘bom
dia’. A voz era grossa, firme e ao mesmo tempo terna. Preferi pensar que fosse
alguém na varanda da frente ou no jardim. Mas desde o começo eu já sabia que ela
saía do sofá. Ali mesmo onde eu estava sentada.
Admitir aquilo era me render à
loucura, mas aparentemente, pelo menos, eu não tinha escolha. Olhei pra ele com
o coração na boca e fui logo fazendo um questionário policial. Quem era, o que
estava fazendo ali, o que queria de mim.
Ele não respondeu, e ainda me deu uma ordem que eu, pasmem, obedeci de
imediato. – Lá no quartinho dos fundos tem um monte de tábuas. Vá lá, pegue a
menorzinha e traga pra mim.
De fato havia muita madeira onde ele indicou. Eu levei a tábua pequena até
ele, e logo ouvi uma nova ordem. E depois mais outra e outra e outra. Ele me contou onde tinha, lixa, tinta,
furadeira e corda.
Quando me dei conta, tinha feito um balanço para pendurar na mangueira.
Nessa etapa, tive que contar com a ajuda dos adultos. Valeu a pena. O balanço
deu vida ao quintal. Depois disso, nunca mais ouvi a voz do sofá. Para falar a
verdade, nunca mais voltei na sala de visitas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
http://twitter.com/Menalton_Braff
http://menalton.com.br
http://www.facebook.com/menalton.braff
http://www.facebook.com/menalton.braff.escritor
http://www.facebook.com/menalton.para.crianças