Tudo pode acontecer
(Rosa Carneiro)Sempre fora a maior fazenda da redondeza.
Muitas gerações da família Souza Oliveira haviam passado por ela e habitado aquelas cercanias.
A casa grande guardava muitos detalhes de épocas remotas: quadros, móveis, janelas altas, lustres de cristais, que reportavam quem a visitava para tempos antigos e histórias das grandes fazendas da região.
A silenciosa mansão era rodeada por um muro que mais parecia uma muralha, pela sua altura e fechamento. O portão da entrada era de madeira de lei, talvez jacarandá, cujo ferrolho datava de longínquos tempos medievais.
Grandes palmeiras imperiais, deveras milenares, formavam duas bonitas alamedas na entrada principal. Tudo era imponente! Dependências como haras, galpões que, em épocas antigas, serviam de senzala para os escravos, hoje já desgastava pelo tempo, ficaram ao lado sul da referida mansão.
Depois de passar por essas gerações, o último descendente da família Souza Oliveira tomou posse da antiga fazenda.
Paulo, herdeiro da sétima geração da família, hoje advogado renomado, era o herdeiro único de tão importante propriedade, ocupada por campos, jardins, pomares e extensões de pastos, reses, plantações de milho e café. E aquele agradável córrego.
Gostava muito de sua cidade natal, Nova York, mas estava cansado de viver no sfalto. Imaginava que seria importante para seus filhos conviverem em um ambiente mais sadio, longe do burburinho e consumismo das grandes cidades.
Aquela herança não surgiu por acaso e era bem-vinda. Para Paulo, foi uma boa oportunidade de realizar a proposta que há meses vinha habitando sua cabeça. Nada sabia sobre fazendas; administrá-las, menos ainda. Agora aquela propriedade era de sua família e ele, como herdeiro, deveria mantê-la em ordem como fizeram seus antepassados.
Tinha breves lembranças de visitas à casa grande quando criança, com seus pais. Aí moravam seus avós e também seu bisavô, já velhinho, de memória privilegiada, exímio contador de histórias, quase sempre verdadeiras. Eram estas as abreviadas lembranças que tinha em mente na fazenda.
Até seus dez anos, Paulo visitava seus avós nas férias; porém, pouco a pouco, as idas à fazenda foram diminuindo e o esquecimento aconteceu, como seria normal. Decidiu fechar por uns tempos seu escritório e partiu com a família para o novo lar. Iria dedicar-se em aprender administrar sua herança.
Alguns meses se passaram. Plínio e Jeane, seus filhos, já haviam se adaptado ao lugar e sentiam-se livres para cavalgar pelos campos e nadar no córrego ao fundo da propriedade.
Ane, sua esposa, continuava com sua paixão pelas artes e, como pintora, encontrara na fazenda ótimo lugar para desenvolver sua profissão.
Paulo logo se acostumou percorrer os campos e pastos ao lado do administrador. Andar pela fazenda a cavalo, aprendendo todo dia uma novidade, era para Paulo sinônimo de felicidade.
Dias, meses passavam rapidamente naquele ambiente saudável e próspero. Naquela sexta-feira, Plínio levou dois amigos da escola para passar o fim de semana na fazenda. André e Rui eram alegres, de bem com a vida e estavam a fim de se divertir. Não era sempre que aquela oportunidade surgia.
No sábado ensolarado, resolveram dar uma volta a cavalo. Saíram os quatro pelos campos. A destemeridade estava com eles, bem como a sede de aventuras.
Sempre cavalgando pela propriedade entre as reses e as plantações, encontraram bem longe da sede uma ponte sobre o córrego. Do outro lado, vislumbraram uma densa floresta. Seguiram em frente entre as árvores frondosas. De repente, os cavalos empacaram sem motivo aparente.
Curiosos como eram, desceram dos cavalos a procura do motivo daquela parada. Foi quando Jeane percebeu um coelho saindo de uma moita e, correndo, entrando em uma fenda na rocha.
A curiosidade falou mais alto e todos se enveredaram pela pequena abertura nas grandes pedras.
- Parece que tem uma caverna aqui! Vamos entrar? Mas está muito escuro! Alguém tem um farolete? – perguntou Jeane.
O farolete já estava na mão de Rui que, rapidamente, iluminou o buraco.
- Vamos ver onde o coelho se meteu? – falou André.
- Olhe ele aí! – gritou Jeane, empolgada com a perseguição.
Porém, o esperto coelhinho já havia desaparecido numa curva da misteriosa caverna.
- Vamos! Ele foi por ali! – desta vez foi Plínio que, radiante com a aventura, falou.
Pé ante pé, seguiram pela estreita passagem na caverna. Já não se via mais o coelho... Após alguns minutos andando vagarosamente, iluminando melhor o local perceberam um brilho em uma fenda, no fundo da gruta.
- O que será aquilo? Parece uma luz! Vamos chegar mais perto? – Rui falou.
Lentamente, se aproximaram do foco de claridade no escuro da caverna. O sobressalto foi geral! Depararam com um baú enferrujado incrustado na rocha. Não pensaram duas vezes... um após outro, ao trancos e barrancos, saíram da caverna e, no galope em seus cavalos, voltaram à fazenda.
- Pai! Pai! Tem um tesouro na caverna do outro lado do córrego, na floresta!
Paulo foi pego de improviso e demorou alguns minutos para assimilar aquela surpresa.
- Senhor Paulo! Tem um tesouro na caverna! – gritou André.
Neste momento, Paulo saiu do estupor que estava e pediu calma aos meninos.
- Calma! Calma! Contem devagar o que está acontecendo!
Praticamente falando juntos, os meninos explicaram o que viram na caverna.
- Preparem-se que iremos até lá. Vou mandar arriar meu cavalo e avisar o administrador. Iremos juntos...
A galope, os seis cavaleiros partiram para o local indicado pelos meninos. Logo que passaram a ponte sobre o córrego desceram dos cavalos e lentamente entraram na caverna. Agora foi mais fácil, pois estavam todos munidos de faroletes.
Lá estava ele, o misterioso baú envelhecido pelo tempo. Com um facão, que trazia preso ao cinturão, Paulo abriu a velha fechadura e qual não foi a surpresa: era uma arca abarrotada de moedas, colares, coroas, jarras, anéis e uma infinidade de pedras do mais intenso brilho.
- Vamos levá-la para fora! – falou Paulo. Lá, nos asseguraremos do que se trata. E assim fizeram...
A arca era pesada e, com muito esforço, conseguiram tirá-la da caverna. Na claridade do dia, perceberam a riqueza que havia naquele baú. Tudo era de ouro e cravejado de pedrarias, rubis, esmeraldas, brilhantes...
As crianças estavam a mil por hora! Não paravam de falar e se movimentar ao redor do tesouro.
Dentro da arca também depararam com uma garrafa suja. Ao erguê-la, o administrador percebeu um pequeno papel. Com o maior cuidado o retiraram, já se deteriorando pelos anos ali guardado. Ao abrir, perceberam que era um idioma pouco conhecido. Estava escrito em latim: Voltarei para buscar meu tesouro. Assinado: Barba Ruiva.
Mais uma surpresa!
- Vamos levá-la para casa! Assim que chegarmos, ligarei para o delegado. E assim foi feito...
Logo, o mistério do tesouro estava na mídia e a cidade toda queria ver aquela maravilha.
As crianças estavam empolgadas! Iriam aparecer na televisão! E não deu outra! Muitas vezes estiveram na televisão explicando a aventura, em entrevistas nos jornais a região.
A arca foi transferida para a Delegacia de Polícia.
Dias mais tarde, alguns historiadores vieram analisar o velho baú e seu conteúdo. A análise mais verídica foi a de que, em tempos antigos, quando a milícia da província lutou e dizimou a pirataria, alguns piratas esconderam o tesouro na caverna com a esperança de, um dia, retornar para buscá-lo.
Não deu tempo ao velho capitão pirata, que deve ter morrido em luta antes de voltar, como conta a história da região.
O tesouro foi levado para o Museu Histórico da cidade, com a certeza de que, depois de um século, nenhum pirata viria reclamá-lo.
No Museu, a garrafa com o bilhete estava numa redoma de vidro, sobre um pedestal. A arca incrustada na fenda, em uma das paredes, como no local que estava na caverna. Jazia aberta, mostrando sua riqueza, fruto de roubos e saques dos históricos piratas, hoje tão esquecidos. Para protegê-la, grande e forte grade separava o local.
Naquelas férias, nenhum dos meninos deixou de visitar muitas vezes o museu. Estavam orgulhosos de serem os protagonistas de tão importante descoberta.
A aventura ficou por muitos anos nos assuntos das crianças, que se tornaram heróis na comunidade.
Ainda hoje todos sonham com um pirata muito selvagem: o Barba Ruiva.
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