Esta coluna reúne tetos de Menalton Braff sobre obras de outros escritores, alguns deles pulicados como orelhas.
Um poeta ao sul
Quando se descobre um poeta, ele já está há muito descoberto. Acabei de descobrir um poeta, um poeta com suas ferramentas afiadas, com seu itinerário escrito, com seu rumo traçado. Um poeta e muita ternura. Este poeta de pedigree, que para muitos pode ser velho conhecido, para mim foi um dos prêmios por haver viajado dia dois de novembro para Porto Alegre. Fabrício Carpi Nejar, ou apenas Carpinejar, com a humildade dos grandes, apresentou-se, mas apresentou-se mal, pois mal ouvi seu nome. Não se apresentou dizendo, como lhe era de direito, eu sou um dos grandes poetas da nova geração de poetas brasileiros. Quem viver, verá.
Um terno de Pássaros ao Sul, sua mais recente publicação, é um apelo. Do início ao fim o mesmo apelo "Volta ao pampa, pai." que retorna invertido no final "Volta ao pai, Pampa." É uma luta contra o tempo, a tentativa de cristalizar as relações, que no final se inverte. O que é o "pampa", de tantos significados no universo imagístico gaúcho? A querência, outra palavra de forte cheiro sul-riograndense, a vida, o tempo. Pai e pampa, a partir da inversão final, tem-se o direito de os confundir como uma coisa só, como a origem da vida, sua razão.
Há neste canto, que é Um terno de pássaros ao sul, um trabalho com a sonoridade das palavras que, se de um lado, traz-nos de volta o gosto simbolista pela musicalidade, por outro, principalmente no campo semântico, jogos e combinações inusitados, de extração surrealista. Os exemplos que seguem não demandaram trabalho profundo de pesquisa, mas apenas anotações ao sabor da leitura.
Aqui no rodapé dos potros e cargas do porto, Metáteses desse tipo, e na verdade, de gosto muito apurado, são um dos recursos utilizados por alguém que domina as técnicas da poesia, como o Fabrício.
E então esta jóia poética da página 27:
Tantas vezes caí
em teu lugar,
que descobri o inferno
ao repetir a salvação.
Tantas vezes caíste
Em meu lugar,
que descobriste a salvação
ao repetir o inferno.
É um jogo de paradoxos e inversões que se aproxima do quiasma, não fosse mais radical do que este ao opor em todos os sentidos filho e pai. Outro recurso de retórica empregado, são essas aproximações, que, sem serem a assonância, são-lhe contudo semelhantes. As palavras atraem-se pela semelhança como um calembur.
Confundia-se a força da estrada
com o estrado da forca.
ou
e remonto a versão da viagem
remota, sem entender quais
os motivos que apressaram as malas
e revolveram as gavetas do casaco.
Estaria aí a chave de seu parentesco com Salvador Dali?
E chega-se, por fim ao capítulo das aliterações. Este é um recurso que merece uma
atenção especial, pois se é das semelhanças sonoras que se faz o liame entre as palavras em
sua escolha paradigmática, a aliteração é um dos recursos mais freqüentes.
o vento inclinando
o bosque das bombachas.
A batina do sino
Este agora um verdadeiro calembur, porque "batina", se está no campo semântico do
sino, sintagmaticamente pediria "batida", e assim, neste jogo de atrações sonoras e
semânticas a poesia de Carpinejar mostra um jovem poeta amadurecido, porque consciente
dos recursos da língua, com uma sensibilidade viril que faz de seu lirismo um lirismo moderno, surpreendente.
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