quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

CRÍTICA LITERÁRIA

Esta coluna reúne críticas literárias de Wagner Coriolano de Abreu, publicados originalmente no livro SEMPRE AOS PARES, lançado pela Carta Editora.

MODOS DE DIZER CAMUS


(Wagner Coriolano de Abreu)

Para o nosso tempo, de visualidade e rapidez, um bom começo pode ser uma frase. Albert Camus, no ensaio Herman Melville (1952), afirma: “o escritor de talento recria a vida, ao passo que o gênio, além disso, a coroa com mitos”. Outro bom começo acontece através de um traço do perfil literário. Susan Sontag, no ensaio Os cadernos, de Camus (1963), descreve: “sob  muitos aspectos é um rosto quase ideal, o rosto de menino, bonito mas não muito, magro, forte, a expressão ao mesmo tempo intensa e modesta”.

Tanto nas palavras de Camus sobre Melville quanto na descrição que Susan Sontag faz do próprio Camus, sobressaem elementos que se relacionam a esse homem franco-argelino, mais conhecido como autor da novela literária O Estrangeiro. Camus torna-se notável pela ponte que estabelece entre o mito grego e a expressão intensa e modesta das crises do pensar no mundo contemporâneo, expondo em seus ensaios O mito de Sísifo (1942) e O homem revoltado (1951), entre outros, a problemática da filosofia do absurdo. Neste sentido, podemos dizer que literatura e filosofia correm pari passu na escritura.

Uma terceira via de acesso ao pensamento de Camus encontra-se na explanação Albert Camus, sentimento espontâneo e crise do pensar, do alemão Jürgen Hengelbrock, publicado pela Nova Harmonia em 2006. De acordo com o editor, Hengelbrock oferece uma imagem do filósofo que não se esgota numa queixa contra o absurdo da existência, pois representa uma mundividência coerente e orientada segundo a tradição antiga do ceticismo filosófico.

Hengelbrock não se detém na biografia do escritor, nascido na periferia européia às vésperas da Primeira Guerra e falecido em 1960, mas sinaliza a formação intelectual, informando-nos do leitor atento dos pensadores Edmund Husserl e Friedrich Nietzsche. O professor da Ruhruniversität de Bochum, Alemanha, baliza seu estudo pela hipótese de que, para Camus, a interrogação filosófica só tem valor se der significado ao sentimento espontâneo e elementar da vida.

A parte maior do Albert Camus, de Hengelbrock, examina o ensaio O mito de Sísifo. O professor procura demonstrar o embate entre lógica do pensamento e lógica da vida, o sentimento do absurdo e o caminho intermédio “onde a inteligência pode permanecer clara”.

No mito grego, a personagem Sísifo permanece presa ao castigo após desafiar Zeus; na releitura do mito, Camus oferece diferente perspectiva de existência, quando coloca a decisão de viver acima da decisão de deixar de viver. Assim, revela-se um leitor de Nietzsche, como bem observa o professor de Bochum.


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