quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

CANTIGAS DE AMIGOS

VI
(João Augusto)

“Não fui, na infância, como os outros
 e nunca vi como outros viam.”
 (Edgar Allan Poe, em Só)


Como Poe, amei sozinho,
o que sozinho me restava amar.
A vida começa atrasada.
Tinha, no irrespirável das noites sem ar,
uma secura de estrelas no peito.
Carregava duas cores no bolso,
o branco e o nada.
O pouco era longo e farto.
Na madeira gasta dos olhos,
um arco-íris de carvão sustentava o céu
que era impossível inventar.
A vida, irreconstruível do fim para o começo.
Na alucinação dos dias,
a admirável lentidão do amor,
que nunca florescia.
Amar sozinho é escrever para o silêncio.
De dentro dos olhos pretos da vida,
uma rosa explode o escuro,
tão universal como a fome,
como o ódio,
como o homem.
A vida que delira e inflama,
lenta e sozinha,
como um punhado de amor,
deixado pelo caminho.

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