terça-feira, 7 de julho de 2020

LITERATURA: O QUE É ISSO? (7)

Acesse a publicação original.

Entre 2014 e 2016, Menalton Braff produziu uma série de artigos sobre Literatura a pedido do jornal Celulose Online. Este ano, decidimos voltar a postar esses textos e hoje trazemos para vocês o de número 7.  Caso tenha interesse em ler antes os artigos anteriores, clique nos links a seguir:

Literatura: o que é isso? (1) / Literatura: o que é isso? (2)/
Literatura: o que é isso? (3)/ Literatura: o que é isso? (4)
Literatura: o que é isso? (5Literatura: o que é isso? (6)

Literatura – Menalton Braff – Literatura: o que é isso? (7)


Todo texto, literário ou não, pressupõe uma voz que o produz. Tratando-se do texto literário, é necessário que se estabeleçam, para a melhor compreensão da literatura, algumas características dessa voz, os tipos que pode assumir, a posição de onde observa.
De uma maneira bastante simplificada, e não é outro o propósito num artigo de divulgação, podem-se dividir os narradores (os produtores da voz) em dois grupos principais: o narrador em terceira pessoa e o narrador em primeira pessoa.
Posto isso, é preciso uma aproximação maior a cada um dos grupos.
O narrador em terceira pessoa pode ser dividido em narrador onisciente, ou demiurgo, quando narra os fatos que vê do alto, dando conta de tudo, inclusive daquilo que não se vê, como os pensamentos e sentimentos das personagens.
Ex.: Rubião abriu os olhos, meio fechados, e deu com o cocheiro que sacudia ao de leve a pontinha do chicote para espertar o animal. Interiormente zangou-se com o homem, que o veio tirar de recordações antigas. Não eram belas, mas eram antigas, − antigas e enfermeiras, porque lhe davam a beber um elixir que de todo parecia curá-lo do presente. (Machado de Assis, Quincas Borba)
Ainda em terceira pessoa, o narrador pode ser observador, ou seja, só relata aquilo que se vê, os movimentos, aquilo que é externo das personagens.
Ex.: Em casa de Rita Baiana a animação era inda maior. Firmo e Porfiro faziam o diabo, cantando, tocando bestialógicos, arremedando a fala dos pretos cassanges. Aquele não largava a cintura da mulata e só bebia no mesmo copo com ela; o outro divertia-se a perseguir o Albino, galanteando-o afetadamente, para fazer rir à sociedade. (Aluísio Azevedo, O cortiço)
Não se pode esquecer que narrador e autor são duas entidades distintas. Os autores dos textos acima não existem mais, os narradores, uma criação literária, continuarão existindo enquanto houver alguém que leia os livros.
São também dois os tipos principais de narrador em primeira pessoa: o narrador protagonista e o narrador testemunha.
Tem-se o narrador protagonista quando a história for contada por sua personagem principal. A história é contada de dentro, e neste caso todos os fatos só podem ser relatados ou com a presença e o olhar do protagonista, ou com o relato que outra personagem lhe faça.
Ex.: Despertei com a voz do Marcos, dentro do meu ouvido: “Ignácio, foi tudo bem”. Os minutos tinham sido 9 horas. Novo mistério do tempo. Apaguei, acordei na UTI querendo fazer xixi, a bexiga cheia, doendo. Reclamei com voz pastosa, a enfermeira se impacientou: “Você está com sonda, não pode querer fazer xixi”.  (Ignácio de Loyola Brandão, Veia bailarina)
Quanto ao narrador testemunha, ele vê os fatos ou toma conhecimento dos mesmos, sem, contudo, participar deles, pelo menos de forma fundamental. Em outras palavras, o narrador testemunha emprega um “eu” narrador, para, contudo, contar a história de um “ele” protagonista.
Ex.: Uma tarde, ao recolher-me ao quarto para descansar, senti-me perturbado vendo diante de mim, encolhida em um canto, junto à cama, os olhos cheios de lágrimas, a figurinha esquálida de minha pequena amiga. Chorava mordendo as mãos, sacudida por soluços longos e repetidos. (Autran Dourado, Novelas de aprendizado)
Com esse parágrafo acima, inicia-se uma história em que Carolina exercerá o papel principal, mas a voz que conta é de seu amigo.
Evidente que formas mistas são possíveis e até frequentes numa mesma obra.
Para um autor é muito importante a escolha do ponto de vista certo: quem vai contar a história e de onde a observa.  

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