domingo, 25 de março de 2012

A INVENÇÃO DE MOREL (16)

SONHOS ESTRANHOS

Pág. 61 - "Tenho um dado que pode servir aos leitores deste diário para saberem a data da segunda aparição dos intrusos: as duas luas e os dois sóis foram visíveis no dia seguinte. Poderia tratar´se de uma aparição local; não obstante,  parece-me mais provável que seja um fenômeno de espelhismo, provocado pela lua ou pelo sol, mar e ar, e visível, sem dúvida, desde Rabaul e toda esta zona. Notei que esse segundo sol - talvez imagem de outro - é muito mais violento."

Pág. 62 - "Estamos vivendo as primeiras noites com duas luas. Mas já se viram dois sóis. Conta-o Cícero em De Natura Deorum:
Tum sole quod ut e patre audivi Tuditano et Aquilio consulibus evenerat."
(...)
"Os intrusos não me vieram buscar. Vejo-os aparecer e desaparecer nas beiras da colina. Talvez por alguma imperfeição da alma (e a infinidade de mosquitos), tive saudades da véspera, de quando estava sem esperanças de Faustine e não nessa angústia. Tive saudades desse momento em que me senti, outra vez instalado no museu, dono da subordinada solidão."
Pág. 63 - "Recordo agora o que pensava anteontem à noite, naquele quarto insistentemente iluminado. A natureza dos intrusos, das relações que tive com eles.
Tentei várias explicações:
Que eu esteja atacado pela famosa peste;..."
"Que o ar pervertido dos baixoiou e uma alimentação deficiente me tenham tornado invisível. Os intrusos não me viram (ou possuem uma disciplina sobre-humana; descartei secretamente, com a satisfação de agir com habilidade, toda suspeita de simulação organizada, policial)."
"Ocorreu-me (precariamente) que talvez se tratasse de seres de outra natureza, de outro planeta, com olhos, mas não para ver, com orelhas, mas não para ouvir."
"Ontem sonhei o seguinte:"
Pág. 64 - "Estava num manicômio. (...) Morel era o diretor. Por momentos, sabia que estava na ilha; por momentos, julgava estar no manicômio; por momentos, era o diretor do manicômio."
(...)
"Acumulei provas que mostravam a minha relação com os intrusos como uma relação entre seres em diferentes planos."

Neste momento o narrador (o fugitivo) tangencia a solução do mistério, mas não consegue ultrapassar a barreira de sua própria realidade. Continua convencido de que existe apenas um plano.

Pág. 65 - "Que eu estivesse morto! Quanto me entusiasmou essa ideia (vaidosamente, literariamente).
(...)
"... não morrera enquanto não tinham aparecido os intrusos; na solidão, é impossível estar morto."
Pág. 66 - "Em momentos de extrema ansiedade, imaginei estas explicações injustificáveis, vãs. O homem e a cópula não suportam longas intensidades."

Dois sóis e duas luas, ser invisível, aparição e desaparição dos intrusos, são muitos os mistérios que o fugitivo tenta desvendar, mas não consegue, apesar de já ter feito uma suposição correta, mas não aceitável do ponto de vista da lógica, da realidade comum.

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