quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

CANTIGAS DE AMIGOS

Da poeta paulistana Ruth do Carmo, o poema abaixo:

ESCRITOS  (2012)

Avó
Hoje refaço seus passos
em sentido contrário,
mas  na mesma calçada.

A fábrica para onde vou é outra.
Seu tecido é feito de gente,
de meu tear devem sair palavras.
(04-09-2012)


II
Novamente meus pés
sobre seu caminho, na calçada refeita.
Penso comigo: essas duas árvores tristes
–  uma bem mais frágil –
já faziam parte dos seus dias?

Hoje a fábrica que a sugou
e nos devolveu você em retalhos
é um reino de produtos e valores,
barulhos e filas.

Agora as pessoas do seu cenário
já são bem outras, ásperas e ocas
e então vai longe, dolorosamente longe,
uma esperança minúscula de renovação dos homens. (11-09-2012)

III
Quando refaço sua história,
ressurge plácida imagem
atravessando estes portões,
ganhando a rua, livre na esperança,
mas tão absurdamente escrava
quanto os outros tantos corpos apressados,
libertos após dorido apito.

No dia em que a fábrica fechou as portas para sempre,
você sentou no meio-fio e chorou por dias.
Já não sabia mais quem era.
(25-09-2012)


IV
Quando imagino seus sentimentos
é dor e paz o que me percorre,
é bondade nua, triste olhar sereno,
e um medo da noite que a vida ensinou.

(02-10-2012)

2 comentários:

  1. Beleza! Um poema, uma estória,um tempo, uma vida! Um paralelo entre épocas! Parabéns!

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