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Marcuse |
"A concepção prometaica da comunicação literária, que se desenvolveu na teoria e na praxis sobretudo com o romantismo e, mais acentuadamente, com as literaturas de vanguarda, consubstancia-se paradigmaticamente em textos literários que instituem uma ruptura declarada e violenta com os códigos linguísticos, retórico-estilísticos e semântico-pragmáticos dominantes numa determinada comunidade sociocultural e encontrou a sua teorização mais radical e mais consistente na chamada 'estética da negatividade', defendida por pensadores como Adorno e Marcuse: o texto literário não reflecte nem justifica conformistamente o real estabelecido, mas corrói e anula, pelo seu poder de negatividade, esse mesmo real, manifestando no seu mundo de Schein, de ilusão, a 'verdade subversiva' questionadora da ideologia dominante e antecipando, no plano da utopia, um horizonte de libertação. O efeito social de muitos textos literários de ruptura pode ser intenso, mas relativamente transitório, porque as próprias transformações eventualmente ocorridas na sociedade, ao modificarem o circunstancialismo da recepção literária, determinam a sua exaustão e o seu gradual desaparecimento.
A comunicação literária, todavia, pode desempenhar uma importante função social que se situa nos antípodas dos fenómenos de ruptura com os códigos de diversa natureza predominantes numa comunidade sociocultural. Com efeito, ao longo da história, a comunicação literária tem frequentemente veiculado a legitimação, a nível de universo simbólico, do sistema de crenças, de convicções, de normas éticas e de acção, prevalecente numa determinada sociedade, integrando assim os seus leitores numa específica tradição cultural - uma tradição que consiste, antes de mais, na sedimentação e na transmissão fiel de uma certa linguagem - e defendendo ou exaltando, ora através de uma retórica ostensiva, ora através de processos hortatórios e conativos mais subtis e complexos, os valores religiosos e morais, as ideologias, as instituições e os padrões de comportamento e da vida social. A comunicação literária, sob esta perspectiva, constitui um factor de socialização, um meio eficaz de contribuir, com o deleite próprio da experiência estética, para a realização de um processo educativo que assegura o ordenamento ético-político, o equilíbrio social, a perdurabilidade de uma visão do mundo e de uma civilização. À metacomunicação literária, sobretudo através das suas manifestações escolares, cabe uma relevante função neste processo de transmissão e disseminação de normas - um processo indissociável do conflito, ora latente, ora declarado, entre o consenso e o dissenso, entre a ortodoxia e a heterodoxia, entre as maiorias sociológicas e os grupos marginais ou marginalizados, entre os detentores do poder e os candidatos à captura desse mesmo poder, em suma, entre os guardiões da lei e os seus transgressores.
Se, como já observámos, a hipostasiação dogmática da autonomia da literatura provoca o dissídio entre o sistema literário e o matassistema social, volvendo-se a comunicação literária numa actividade lúdica refinadamente complexa ou numa aventura órfica desesperadamente orgulhosa, cujo circuito semiótico se encontra sob a ameaça contínua de um bloqueamento hermetista - movimento da arte pela arte, literatura desumanizada, poesia pura, etc, - a hipostasiação dogmática da heteronomia da literatura conduz à concepção do texto literário como discurso com finalidades explicitamente didácticas, moralísticas, apologéticas e propagandísticas, e à concepção da comunicação literária como uma actividade que deve ser programada, ou censoriamente vigiada, em todos os seus estádios, em conformidade com a ideologia, os interesses e as conveniências do poder instituído. Assim acontece com a chamada literatura dirigida, inevitável sob a dominação de quaisquer regimes políticos totalitários."
(CONTINUA)
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