(João Augusto)
Caem de teus olhos
as últimas estrelas tropicais.
As margens da vida, como das águas,
carregadas de distância,
me aproximam das novas estátuas de sal.
Fico, até o fim dos meus dias, proibido
de olhar para trás.
Guardo só para nós
o que vamos partilhar aqui.
Do que é justo em você,
em mim é longe e desigual.
Tiro da palavra o meu sustento.
E quase tudo fotografo,
como se fotografam os inventos.
Nada mais pode ser demonstrado pela razão.
É preciso desperdiçar algumas palavras,
para que outras sobrevivam.
Escrevo para começar alguma coisa que não termine.
Qualquer coisa que passe além da realidade.
Depois de estar cansado de procurar
aprendi a encontrar.
Depois de um vento me ter feito frente
navego com todos os ventos.
A poesia é o ferimento mais vivo
de todo coração inabitado.
Meu sonho tomba com o horizonte,
na mesma altura do primeiro voo
do primeiro pássaro.
Recolho o resto dos dias que,
para os outros,
não têm função precisa.
A mecânica viva do esquecimento.
Onde, em nós, abrigamos a vida?
Nos dezembros, as rosas e as lembranças desabrocham.
E percebo que minha memória não é
a palavra imóvel do dicionário:
sou, entre tudo, princípio e fim.
Crio do tempo que me rouba o tempo
e lanço pássaros
sobre o que é indizível e efêmero.
Nada é mais assombroso
que o silêncio de um nome ainda vivo.
Alguma vontade que desconheço
me mantém preso a este poema.
Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
existe um sentir que é entre o sentir.
Já não é possível mastigar a vida com os dentes da infância.
Estendo saudades em um varal entardecido.
E vejo que desejar sobre mim
é desejar o seu desejo.
Ainda haverá tempo para construir
a máquina que fabricará o amor?
Crio, de minhas palavras magras,
um compromisso com o nada.
A vulva que gera a beleza
em sua alegria nua.
Nossas pupilas dilatadas
em uma terra em transe.
É preciso desviar o olhar
e ver que a vida é um grande
poema aos pedaços.
Dos mundos impalpáveis,
já não é possível pensar
na forma calma de um dia feliz.
A fala baixa, a cabeça baixa,
o amor...
Escrevo porque me falta a fala.
A intransitiva dor da linguagem.
Embora me doa sempre mais
a boca cheia de silêncios.
Pra toda cor, há um raio cinza
que corta o trópico e dorme nas antenas.
Pra todo silêncio, haverá uma bomba reversa
como o som primitivo de uma pessoa feliz.
Sobe entre nós o fogo vivo da fome, quando
percebo que esqueço de passar o café
nesta manhã de insônia,
em Ribeirão Preto.
É preciso acordar, antes que se vá
a última estrela tropical.
* Da série de poemas numerados - 04 de julho de 2012
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