quarta-feira, 6 de novembro de 2019

CANTIGAS DE AMIGOS

II*
(João Augusto)
“Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.”
(Orides Fontela, em Fala)


De dentro das nuvens,
escrevo para o ócio.
Viver é distante.
A palavra, no punho pesado da vida,
faz seu voo indócil.
Versejar é comer nos lábios da morte.
É fazer descer das nuvens
alguma raiz de encantamento.
Havia no fruto do poema um coração
e suas imprecisões.
Amar é impreciso.
Há, na busca, o risco de não achar o que
se ama, e um corpo perder-se inteiro
dentro de outro corpo.
Há no ócio o oposto à velocidade da luz:
o gosto simples de vagalumear.
Parar o relógio da terra
e acender o relógio do céu.
O ócio do bico dos seios,
apontando livres para o mar.
Dos canteiros quentes sob o sol.
O ócio das máquinas e seu rangido ensurdecedor.
Do ardume das flores.
Do verso sem plumas, que faz tremer o ar.
O ócio de tão pouco vos ofertar,
senão a minha própria ausência,
nesta noite em que não há nada para escrever.

*Da série de poemas numerados.

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